anozero: Arte Contemporânea para curto-circuitar Coimbra

Serão mais de 30 instalações/intervenções e uma dezena de ensaios com o prelo do Laboratório de Investigação do Circulo de Artes Plásticas de Coimbra

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“Não há receita mais assustadora e destruidora para Coimbra do que de repente ficar à sombra da vaidade de ser Património Mundial”. É assim que o director do Circulo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), o arquitecto Carlos Antunes, começa por explicar de onde lhes veio esta ideia de criar o “anozero”, uma bienal de Arte Contemporânea, que vai ter lugar em Novembro, e inserida nas comemorações dos 725 anos da Universidade.

“O ‘anozero’ pretende ser uma espécie de resposta da arte contemporânea a um atributo novo para a cidade, que não é necessariamente um atributo bom. A Inscrição de Coimbra como patrimônio da Humanidade será aquilo que nos quisermos que seja. É sobretudo um desafio para a cidade e para os cidadãos”, explica. E porque é que esse desafio é assustador? “Porque Coimbra é na sua génese uma cidade conservadora. E uma cidade conservadora, tornada património da humanidade, cria um dispositivo de auto-embevecimento, fica cheia de si. É necessário que a arte contemporânea possa curto-circuitar esta tendência natural para a consagração. Este é o propósito maior”, explica Carlos Antunes.

É uma provocação assumida. Se bem que, acrescenta Luís Quintais, antropólogo, e outros dos organizadores desta Bienal, “essa afirmação não é mais do que uma cacofonia, já que a arte contemporânea é sempre uma provocação”. Talvez a provocação maior desta Bienal é que a ideia da sua organização tenha partido não do universo, ou do interior, da arte contemporânea, mas sim de pessoas que a partir da sua base disciplinar (e a antropologia, ou a arquitectura, podem ser duas boas bases) se ocupam de uma visão do mundo e da arte contemporânea. E a provocação que assumem fazer é a de levar todas as pessoas a reflectir sobre os perigos da “patrimonialização”.

“O património tem um aspecto preverso, tem por si próprio uma espécie de consideração que é eterno, que está cristalizado. A arte contemporânea convive muito mal com a ideia de património. Tem a ver com vanguardas, experimentalismos, conceptualismos. Está muito mais do lado do fazer, do processo, do que do lado de um produto final que pode ser colocado num museu”, argumenta Luís Quintais, para quem a arte “é volátil, fluida e indomesticável”, não podendo ser domiciliado num museu, numa galeria ou num espaço público, “muito menos domiciliado nessa grande jaula que é o Património”.

E é com esse espírito “desestabilizador”, que os três membros do CAPC que assumem a curadoria desta bienal - um antropólogo, Luís Quintais, um arquitecto, Carlos Antunes, e um artista plástico, Pedro Pousada - esperam poder fazer do “anozero” um lugar de experimentação. “No texto All that fall de Samuel Beckett, este diz ‘O pó nunca assentará nos nossos dias. E quando o fizer, virá uma maquina que ruge que o fará levantar de novo’. Nós seremos, talvez, essa máquina que ruge. É essa a metáfora que nos interessa”, sintetiza Carlos Antunes.

Com um orçamento de 550 mil euros, e uma programação que ainda estar longe de estar completamente fechada, Antunes e Quintais quiseram, no entanto, sublinhar “a circunstancia improvável de a Câmara e a Universidade terem aderido com enorme entusiasmo a este projecto”. “Isto deve ser reconhecido: a arte contemporânea, na sua dimensão desestabilizadora, quer-se impôr entre o património e a cidade. E isto ser apoiado por esta câmara e esta universidade deve ser louvado. temos tido uma relação cúmplice e próxima”.

O facto de se chamar “anozero” não significa que seja uma primeira edição. “É, antes, um estado de permanência, é uma metáfora da maquina que ruge, é aquilo que quer voltar sempre ao começo. “E pensar, olhar para a nossa origem, para poder avançar”, conclui Carlos Antunes.

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