“Sinto que faço râguebi pelos emigrantes”

Após sagrar-se campeão da I Divisão, José Redondo, presidente do RC Lousã, revela ter ficado descontente com a manutenção de 10 equipas na Divisão de Honra

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Joana Marques

A distância que separa o Estádio José Redondo, casa do RC Lousã, e a fábrica do Licor Beirão não deverá ser superior ao milhar de metros, mas a proximidade de gestão do campeão da I Divisão e a administração do fabrico da conhecida bebida espirituosa é ainda maior. Embora não esconda que na sua escala de prioridades o Licor Beirão está um degrau acima do RC Lousã, José Redondo não abdica de colocar em prática no seu terceiro amor – já que a família está em primeiro lugar – o princípio que fez da sua empresa uma marca de sucesso: rigor. Com os pés bem assentes no chão e especialista na arte do marketing, José Redondo não esconde o descontentamento pela “péssima” decisão “de última hora” da federação de manter a Divisão de Honra com 10 clubes e deixa uma confidência: “Quando o RC Lousã tem o mais pequeno sucesso que seja”, o primeiro pensamento de José Redondo vai para os muitos lousanenses espalhados pelo mundo.

 

Vinte jogos no campeonato, 20 vitórias. Era isto que tinha planeado no início da época?

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Claro que sim. No ano passado fizemos um planeamento numa perspectiva de melhorar a equipa, mas nunca com o pensamento de subir. Para mim, subir na época passada teria sido um drama. O clube não estaria tão bem estruturado e com a dinâmica actual. Sabemos que muitas vezes os clubes crescem em função das vitórias. Infelizmente é assim. Quando há vitórias todos aparecem e é uma alegria. Sem vitórias começa a haver desfasamento e uma fuga. Na época passada tínhamos o objectivo de chegar à final.

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Que hipóteses tem o RC Lousã contra o Cascais, neste sábado, na meia-final da Taça de Portugal?

São mínimas. Após atingir um título há sempre descompressão. É claro que os atletas dizem que querem fazer um grande jogo, mas isso não significa nada. O Cascais tem uma equipa muito superior, com outra rodagem e que não pode facilitar na Lousã. Não tenho dúvidas que será muito complicado. No entanto, o objectivo já foi atingido no campeonato e ultrapassado na Taça de Portugal ao chegarmos às quatro melhores equipas. 

 

A próxima época já começou a ser planeada?

Há cerca de dois ou três meses o director da equipa sénior e o director desportivo vieram falar-me das necessidades para a próxima época. Já está a ser preparada, mas estávamos convencidos que iriamos passar para 12 clubes e com a manutenção dos 10 teremos que fazer um esforço maior.

 

A exigência na Divisão de Honra será grande em todos os aspectos…

Teremos que ser muito cuidadosos nas escolhas das pessoas que podem vir… Vamos privilegiar a qualidade, sabendo que isso envolve custos. É diferente ir buscar um atleta de 22 ou 23 anos ou ir buscar um atleta feito, com 27 ou 28. Mas estou convencido de que em termos de apoio municipal e dos próprios patrocinadores haverá um aumento significativo.

 

Só na véspera de se jogar a final da I Divisão é que ficou definitivamente decidido quantos clubes teriam direito a subir à Divisão de Honra. Isso credibiliza o râguebi português?

Claro que não. Isto descredibiliza completamente a modalidade. Esta era uma decisão que cabia ao presidente da federação, que resolveu ouvir os clubes na última semana. Como não teve as respostas suficientes, resolveu não avançar com o projecto. É grave. Defendo há muitos anos, à semelhança do que aconteceu nas décadas de 70 ou 80, a realização de um congresso de râguebi. A federação necessita de arranjar um grupo de pessoas que organize um congresso que envolva todas as variantes da modalidade e todos escalões para analisar o que pretendemos. Crescer como modalidade envolve muita coisa. É necessário envolver a sociedade, a comunicação social, as autarquias, o Estado… Infelizmente, esta decisão de última hora foi péssima.

 

Defendia, portanto, o modelo das 12 equipas…

Defendia, por uma razão: o RC Lousã só conseguirá ter uma equipa competitiva para lutar com os seis primeiros se eu a profissionalizar. Mas essa não é a minha ideia. Desde o início que pretendi criar um clube que dignificasse a Lousã, mas sobretudo os lousanenses. E quando penso no orgulho que damos aos lousanenses, não penso apenas nos que estão aqui na Lousã. Penso nos que estão espalhados por todo o mundo. Quando o RC Lousã tem o mais pequeno sucesso que seja, o meu primeiro pensamento vai para essa malta toda que está na Austrália, nos Estados Unidos... Estive no Ultramar e sei perfeitamente o que custa e o sentimento que os emigrantes têm pela sua terra. Sinto que faço râguebi pelos emigrantes.

 

O que é que o RC Lousã teria a ganhar com o modelo dos 6+6?

Se jogássemos contra o CDUP, a Académica, o CRAV, o CR Évora e o RC Montemor ou o Benfica, seria um campeonato extraordinário, que nos permitiria durante um ano ou dois subir mais um degrau. Durante 20 anos passei pelo drama de perder por 80 ou 90 em Lisboa e ter que lá voltar passadas duas semanas. Tinha que andar a bater de porta a porta para arranjar 15 jogadores. O râguebi sempre foi uma modalidade difícil e mais ainda é numa terra com oito mil habitantes. Os clubes, quer se queira, quer não, constroem-se com vitórias e degrau a degrau. Sei que será um drama brutal quando formos a Lisboa perder por 80 ou 90. Com isso não ganha nem o CDUL, nem o Direito, nem o clube que perde, nem a modalidade.

 

Os seis primeiros na Divisão de Honra são de Lisboa ou arredores. Só se faz râguebi de qualidade na capital?

Posso responder a isso dizendo que na Europa só se faz râguebi de qualidade em França, no Reino Unido e um bocadinho em Itália. São os tais escalões. Os franceses e ingleses também dirão que só se faz râguebi de qualidade na Nova Zelândia. Eu tenho que analisar o râguebi na região e calçar os sapatos do tamanho do meu pé. Sei que se se houver só seis clubes em Lisboa a jogar no grupo principal, eles serão a base da selecção portuguesa. Somos das poucas selecções do mundo que pode treinar todos os dias. Os jogadores concentram-se num raio de 30 quilómetros. É quase único e temos que aproveitar isso. Quem faz sair o râguebi na comunicação social é a selecção e temos que a apoiar. Eu tenho pena de não ter internacionais, mas não faço nada para os ter. Fundei há três anos aqui na Lousã a Academia Licor Beirão que trabalha com um lote de 8 a 10 jogadores a quem vimos potencialidades para singrar. Esses jogadores têm às segundas-feiras treinos técnico-teóricos extraordinários. São quase treinos de selecção. Mas temos que lhes criar a ideia de que o objectivo é representar o RC Lousã e desmitificar a ideia de que um jogador só é bom se for à selecção. Queremos que pratiquem râguebi por amor ao clube. 

Entrevista contínua aqui.

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