Boas perspectivas

A selecção nacional de sub-20, apesar de ter perdido, pode sair a ganhar se a equipa souber tirar as lições devidas da derrota

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Miguel Rodrigues

O jogo contra Fiji, que terminou com a derrota portuguesa por 34-19, pode ser considerado como uma oportunidade perdida? Talvez, especialmente para espectadores menos conhecedores.

 

Mas este jogo foi mais do que a oportunidade perdida que o desenrolar do jogo nos deixou como amargo de boca.

 

A equipa portuguesa jogou bem, conseguiu, por diversas vezes, equilibrar o jogo contra uma equipa que está treinada num nível superior - o último mês foi passado na Austrália a competir e a treinar - e em alguns momentos chegou até a parecer superiorizar-se ao adversário. E digo parecer porque, naturalmente, não ultrapassava as aparências. E porquê? Pela simples razão de que o tremendo esforço do combate a que os jogadores portugueses foram sujeitos - intensidade, colisões e velocidade de circulação da bola a que não estão habituados - retiraram discernimento para a melhor decisão nos momentos críticos e retiraram capacidade física para a melhor eficácia de gestos e movimentos. Como acontece a quem, para tentar, ultrapassa os limites das suas capacidades.

 

A selecção portuguesa não conseguiu - por óbvios motivos resultantes do mais baixo nível de hábitos competitivos - equilibrar a demonstração de capacidades com a excelente atitude competitiva que demonstrou. Por um lado porque os fijianos utilizaram uma defesa colectiva agressiva, dura e bem organizada, por outro porque a velocidade e intensidade do jogo - fora dos nossos hábitos, repete-se - exigia um outro nível de capacidade de resposta, levando a pequenos erros não provocados, pequenos atrasos, pequenos adiantamentos, pequenas hesitações de centímetros que fazem a diferença. E como me lembrei da palestra de balneário do treinador Tony D'Amato, interpretado por Al Pacino, no "Any Given Sunday" e dos centímetros que fazem a diferença entre perder e ganhar...

 

E pode ficar-se satisfeito com a equipa mesmo perdendo? Pode se nos lembrarmos, como afirmava John Wooden - provavelmente o melhor treinador americano de sempre - que: "Pode-se ganhar, perdendo. Pode-se perder, ganhando". E Portugal, apesar da derrota pode sair a ganhar se a equipa - treinadores e jogadores - souberem tirar as lições devidas desta derrota. Se aprender com os erros é uma necessidade da experiência da vida, aprender com os erros é, no desporto, a forma de desenvolvimento no percurso da melhoria e do êxito, procurando não fazer mais, mas fazer melhor.

 

Para já uma realidade louvável: o XV Sub-20 de Portugal fez um jogo baseado no ataque, abandonando, embora sem a esquecer, a defesa como método. De facto só é possível obter resultados no nível internacional se houver propósito na utilização da bola de forma a provocar os desequilíbrios necessários para conseguir marcar pontos. Ou seja, se para ganhar é preciso saber defender, a procura da vitória está na marcação de pontos, no chegar à área de ensaio. E Portugal mostrou-se muito assertivo nesta matéria.

 

Tanto trabalho para nada, poderão interrogar-se os jogadores de quem ouvi apreciações muito correctas no final do jogo sobre o que tinha acontecido - porque olhei para o adversário e tirei os olhos da bola, porque me pareceu que havia espaço e decidi longe de mais, porque devia ter fechado os braços mas a porrada foi enorme, porque fui egoísta quando devia ter passado a bola... Não, o trabalho foi suficiente para solidificar critérios, abrir caminhos de confiança, garantir certezas do caminho a percorrer. Ou seja, foi trabalho para preparar melhor e mais eficaz futuro.

 

A formação ordenada - com o peso de um homem a menos - começou por correr mal mas terminou da melhor maneira numa demonstração, como um dos pilares reconheceu no final do jogo, de que a importância da técnica é superior ao peso e altura. O que significa que o programa Força 8 se traduz numa evidente acumulação de vantagens. E que dizer da eficácia dos alinhamentos, aspecto que tem sido considerado como desvantagem portuguesa? E se aqui há bons motivos para confiar, outros aspectos precisam de melhoria: o jogo ao pé demasiado de alívio e muito pouco a-propósito - o jogo ao pé tem de se transformar numa arma atacante muito mais vezes do que como imediato recurso de "salvação"; o jogo de passes dos três-quartos tem que ser realizado muito mais próximo da linha de vantagem em vez de, por falta de confiança, se fazer a tal distância que só beneficia a defesa; o jogo no chão tem que ser rápido e de opções imediatas - muitas delas previamente estabelecidas - para que os desequilíbrios conseguidos tenham continuidade e permitam a manutenção da vantagem. E há aspectos da cultura competitiva também a melhorar: a contabilidade de pontos é uma exigência do alto rendimento e o desperdício de pontos de grande probabilidade - por mais que seja agradável para quem vê - é um erro. Que diminui a vontade de quem persegue e aumenta a confiança de quem lidera.

 

De facto o jogo com Fiji era, desde o início desproporcionado - basta relembrar a rapidez e eficácia de passe que demonstraram para perceber que vivem num estádio superior - que a notável atitude dos jogadores portugueses permitiu aproximar e até, em alguns momentos, aparentar ultrapassar. Mas a sua capacidade de multiplicação defensiva impediu que os movimentos da equipa nacional tivessem melhor sorte. Não foi portanto a incompetência que nos impediu a vitória que alguns acharam deitada fora ou, como afirma o treinador fijiano por mau jogo de Fiji. Tudo não passou da realidade dos factos: nós impedimos o que podemos e limitámos a equipa fijiana - "obrigando-os" a chutar aos postes e para fora a garantir território - e eles não nos deixaram fazer mais. Ou seja: eles ganharam e nós perdemos por razões objectivas e visíveis.

 

O jogo com o Uruguai no próximo sábado irá mostrar - estou certo - que a experiência vivida contra Fiji se transformará na aprendizagem necessária à melhoria da eficácia. Bom jogo!                                   ´

 

Nota pessoal

Nesta equipa de Portugal Sub-20 jogou Volodymyr Grykh, cidadão português, originário da Ucrânia, residente, com a família, há anos em Portugal - fez cá a "4ª classe" (4º ano escolar). Chegou ao rugby através do programa "Desperta no Desporto", realizado pelo Governo Civil de Lisboa - era então Governador António Galamba - e que teve em Rafael Lucas Pereira o seu principal lançador e dinamizador. A sua estreia na selecção nacional representa uma demonstração inequívoca da capacidade de integração social e de acesso à igualdade de oportunidades pelo Desporto e deve constituir exemplo quer para outros, quer ainda para que sejam aliviadas as formalidades de naturalização para jovens que, embora originários de outros países, têm já uma vida, através da escola, adaptada às condições portuguesas. A naturalização do Volodymyr não foi fácil, teve entraves burocráticos enormes e chegou a perigosas situações - como quase obrigado a retornar à Ucrânia para, de imediato, se encontrar no meio da guerra. Felizmente, com o trabalho de muita gente, que tudo se conseguiu resolver em tempo útil. Assinei, com Rafael Lucas Pereira, o seu papel de naturalização e estou muito satisfeito por isso - e vê-lo como internacional do rugby português foi uma grande alegria. Que seja a primeira de muitas!

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