A apologia do erro

Como ter a certeza de que poderemos alcançar aquilo que tanto almejamos? A fórmula mais correcta para acertar parece ser não ter temor de ir falhando

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Ahmad Masood/Reuters

Sou um bibliófilo. Daqueles em que o vício já se transformou em doença. Daqueles que lêem três livros por semana e que passaram de ávidos leitores a coleccionadores, com uma biblioteca de mais de mil exemplares. Coloquem-me o dilema: preferias viajar pelo mundo inteiro ou ter mais duzentos livros nas tuas estantes; depressa responderei em favor das páginas e em desfavor dos aviões. Se todas as pessoas fossem como eu, os escritores eram milionários. Acreditem, isto acontece de tal forma que uma das livreiras da minha livraria habitual me coloca recorrentemente a seguinte pergunta: é para embrulhar ou para comer já?, de cada vez que me vê com mais quatro volumes nas mãos.

Perdoem-me o pavoneio mas o ponto de partida serve o propósito de garantir que os livros são instrumentos capazes de nos entregar de bandeja lições atrás de lições. Um dos maiores ensinamentos, transversal a todas as obras, é o de que não há modo certo para executar as nossas acções. Ou, como a linguagem economicista dos nossos dias prefere, de ter sucesso. Sejam clássicos ou contemporâneos, ficcionistas ou historiadores, sejam estórias com a taxa mínima de verosimilhança ou relatos rigorosos de um determinado evento, todos bramem bem alto a verdade de que tudo é legítimo de funcionar — ou falhar. São as circunstâncias a determinar o sucesso ou o insucesso de determinadas decisões, não são as acções.

Então, como fazer? Como ter a certeza de que poderemos alcançar aquilo que tanto almejamos? A fórmula mais correcta para acertar parece ser não ter temor de ir falhando. Falhando mais e mais, mas sempre melhor do que a alternativa anteriormente experimentada. Aperfeiçoar os métodos de tentativa e erro. É o paradoxo do “solvitur ambulando”: a única solução para o problema de caminhar é o caminhar em si mesmo. A acção em si resolve o problema da inacção — ainda que se falhe.

Em “Try it Again”, os suecos Hives gritam a plenos pulmões uma citação atribuída a Einstein: “they say the definition of insanity is doing the same thing over and over and expecting a different result”. Na cultura contemporânea, o falhanço está sobrevalorizado. Falhar importa tanto quanto alcançar um bom resultado. A própria expressão “falhanço” possui já um cunho negativo inultrapassável. Pois eu digo: falha mais, continua a falhar. Mas aprende com as dores do insucesso: fica sabendo que as paredes do fundo do poço contêm escrituras sagradas. Depois de as lermos, estamos em condições de regressar à superfície, regatear de volta as nossas as vidas e inebriar os outros com o brilhantismo que, de tempos a tempos, tão bem nos caracteriza.

Não é o falhanço que deve ser desencorajado, portanto. É a inacção, a desistência — essas são as únicas que nos levam a lugar nenhum. Não esqueças isto: todos os dias constróis o teu passado e, no fim, a história completa-se. Falhei, falhei, falhei, até que um dia acertei em cheio. Na “mouche”. Desistir não é — não pode ser! – alternativa.

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