(Não) Parabéns à nossa democracia

Cravos vermelhos vaidosos por 41 anos depois do 25 de Abril. Mas, pergunto, onde está a democracia dos quais os cravos são propaganda?

Foto
Clara Azevedo

Quando falámos no 25 de Abril, falámos obrigatoriamente de um movimento de tentativa de construção da cidadania nos portugueses. Esta data comemorativa, com 41 anos, teve por base devolver direitos fundamentais de liberdade a um povo que se encontrava numa situação de repressão, movido pela rigidez de preconceitos e interesses, bem como pela falta de abertura ao diálogo.

Na actualidade questionamo-nos: os valores pelos quais este golpe de Estado foi criado continuam de pé? Ou vivemos a sonhar com uma utópica sociedade em que a democracia tudo salva (quando na verdade não)?

Estou em crer que os movimentos de sensibilização para a cidadania e democratização dos sistemas estão a aumentar, sobretudo junto de camadas mais jovens que vivenciam a adversidade da baixa empregabilidade e/ou rejeição social. Por outro lado, e se virmos o nosso país em macrossistema, o exercer responsável dos direitos e dos deveres não me parecem, de todo, estarem a ser balanceados. Vejamos:

Quando assistimos a uma reunião/sessão parlamentar, onde se espera um diálogo construtivo sobre vários posicionamentos nas mais variadas decisões, verifica-se que o mesmo se tornou num local para a disputa de poder e para a falta de abertura à liberdade ideológica de cada um dos deputados/partidos — o que é automaticamente paradoxal com as suas funções (além de ser cansativo ouvir pessoas a gritar como se estivessem numa claque). Não esquecendo, ainda, a existência de uma “disciplina de voto”, que acaba por dizer quase tudo sobre a capacidade democrática de muitos dos cidadãos que lá exercem funções de gestão de um país inteiro.

Um outro caso, o do sistema escolar, que defende que o indivíduo deve, desde tenra idade, estar investido na responsabilidade, valores (ainda que subjectivos) e, sobretudo, espírito crítico para promover a inovação e empreendedorismo — o que na prática não se concretiza. São aprovados currículos que não preveem a relação da pessoa consigo própria e com os outros tendo, como resultado, alunos que podem efectivamente ser funcionais em domínios técnicos mas que, ainda assim, não beneficiam da formação cívica, que seria necessária ao longo de toda a vida.

O mesmo se aplica aos sistemas académicos, onde o lugar para a construção de civismo tende a esmorecer, o que é grave, já que normalmente falámos de cidadãos em fase de transição para a fase adulta e não queremos que sejam indivíduos emocional e socialmente reduzidos pelo sistema em que inserem. A rigidez teórica e a acomodação disfuncional de muitos quadros, em vários casos, é tão forte que cria uma anulação sobre o empoderamento dos alunos e das suas capacidades para investir no mundo onde se inserem. Mais grave ainda quando se trata de alunos que serão técnicos com funções directas ao público.

Estes são apenas alguns exemplos de que queria falar, muitos outros surgiriam, mas isso é um exercício de cidadania que podemos fazer nesta data em que a Grândola, vila morena deve promover mesmo uma "terra da fraternidade". Que os cravos renovem a falta de empenho na missão de um sistema democrático.

Sugerir correcção
Comentar