Senhoras e senhores: eis o cavaleiro negro do humor

O humor negro, além de nos poder pôr a pensar sobre as coisas com uma leveza diferente e enriquecedora, “pode ser terapêutico"

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Rui Sinel de Cordes

Sou fã de humor negro. Sempre me habituei a rir das coisas erradas achando que haveria sempre algo de terapêutico em mandar gargalhadas aos maiores falhanços, propositados ou não, da humanidade. Em Portugal, o expoente máximo deste género é Rui Sinel de Cordes, humorista que sigo há um palmo de anos, e com quem travei as primeiras conversas após a polémica sobre o Charlie Hebdo. Depois disto, pareceu-me inevitável: tenho de entrevistar este tipo. Dito e feito.

Por estes dias, Rui Sinel de Cordes anda atrapalhado com as gravações de "Very Typical", um programa televisivo realizado pelo próprio que estreará em Maio na "SIC Radical" e que é um sucessivo top-10 do que de pior se passa em Portugal. Ao mesmo tempo, tem andando em "tour" com os Anjos Negros (Rui Cruz e Paulo Almeida) e com o seu espectáculo a solo, "Isto Era Para Ser com o Sassetti" – em Lisboa, há espectáculo marcado para sexta-feira, dia 3, ainda com alguns lugares por preencher. Até ao Verão, está tudo planeado: “Vou fazer o Sassetti até Julho e nessa altura paro para preparar o meu solo novo, que há-de estrear em Outubro”.

Escrever comédia não é canja. “É um processo bastante solitário”, conta o auto-denominado cavaleiro negro do humor, “varia entre notas que vou tirando no dia-a-dia e noites em casa, ao computador, com gin tónico. Às vezes, dá-me jeito ir ver coisas que tenho e das quais já nem me lembrava. É ir desenvolvendo até chegar ao tempo de que preciso, vinte minutos, meia hora…”

Escrever comédia não é canja, mas já foi cabidela. Pelo menos, é capaz de ter sido assim no início: sempre que se cozinhava aquele prato, Rui pedia à avó que cortasse a cabeça a uma galinha e a deixasse correr esguichando sangue pelo pescoço até cair, morta. “Às vezes ela não queria, mas lá o fazia e ríamos um bocado”, recorda. Sinel de Cordes não sabe se o humor negro começou assim, mas os traços já lá estavam. Daí em diante, “foi acontecendo naturalmente, sempre tive esta forma de fazer piadas, sobre o gajo que caía ou da professora que tinha uma deficiência na fala, que eu imitava no intervalo, e a malta ria-se”.

As direcções envelhecem

E Portugal está pronto para ter humor negro no “mainstream”? A resposta é lacónica: “Claro que está! Os directores das TV’s e das rádios é que são uns ‘pussies’ do caraças, uns quadrados. O público está mais que preparado, os reformados é que não. Temos de esperar. O bom dos media é que as direcções envelhecem, morrem e depois vem gente nova, com outra mentalidade. De qualquer maneira, eu também não sinto falta nenhuam de estar em sítios ‘mainstream’ para depois me andarem a chatear a cabeça a dizer o que devo ou não fazer”.

Por causa de uma piada, Rui Sinel de Cordes esteve proibido de ir à "Antena 3". “Nas entidades públicas, que têm os velhinhos a telefonar para lá, os gajos que lá estão nas direcções borram-se todos e pronto. Se reparares, andamos sempre atrás das opiniões das pessoas menos informadas e nunca das mais informadas. Dois reformados e uma velha ligam a dizer que aquilo é ofensivo e a direcção, como não tem neurónios, não lhes diz que são eles que estão enganados e que o mundo já é diferente dos anos 40. Vão pelo que dizem as pessoas de 80 anos, que têm todo o direito a estar chateadas, mas não têm direito a definir linhas editoriais. Se ligarem dois roqueiros a dizer que querem ver telediscos com gajos que cortam cabeças a cabras, já dizem que são malucos. É muito triste”.

O humor negro, além de nos poder pôr a pensar sobre as coisas com uma leveza diferente e enriquecedora, “pode ser terapêutico. Para mim, muitas vezes, é. Por exemplo, no [espectáculo Punchliner], quase tudo o que contava era verdade. As bebedeiras, as merdas que eu fazia, acordar com pessoas que eu não sabia quem eram, era tudo verdade, apresentado para as pessoas embora eu na altura não me estivesse a rir muito. E às vezes recebo mensagens de pessoas que estão a passar por isto ou aquilo e lhes fez bem rir com uma determinada piada”. Do outro lado do espectro, as ameaças. É “banal” recebê-las, embora aconteça cada vez menos. “Quando comecei, era todos os dias. Nunca tive medo, mas não era por valentia, era por inconsciência. Cheguei a ter pessoas a marcar sítios e horas, tipo duelo, só faltava apresentarem-me as armas que eu tinha de escolher”, conta.

Com figuras públicas, também poderia haver constrangimentos mas Rui Sinel de Cordes tem a receita ideal: “Faço questão de não ir a festas. evito conhecer figuras públicas, acho que um humorista não deve conhecer ninguém porque isso limita imenso. Para já, acho que o humorista é o Robin dos Bosques, não pode ir às festas no castelo. Muitos humoristas fazem-nos e é uma coisa que eu desprezo profundamente. Eu tenho os meus amigos, já me chegam as festas que tenho com eles".

Ah, aquela piada que deu problemas? Era mais ou menos assim: “Acabei com a minha namorada no dia em que ela me disse tinha cancro. Ela já devia saber que não gosto de fruta com caroço”. A última vez que Rui Sinel de Cordes a contou foi numa entrevista no "Porto Canal." “Ficou um ambiente um bocado estranho… Mas as pessoas pedem-me a minha piada mais negra e depois admiram-se!”

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