Todos os dias, 160 portugueses descobrem que têm diabetes

Doença atinge 13% da população e cresce entre os jovens. Carlos Neves fala de como é viver com a diabetes aos 29 anos (e desde os 10) e do trabalho da Associação de Jovens Diabéticos, a que preside. Quebrar mitos e preconceitos é preciso

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Nuno Ferreira Santos

A mãe estranhou a sede constante, as idas frequentes à casa de banho e a perda de peso e decidiu levá-lo ao médico. No dia seguinte, ligaram do laboratório a dizer que teria de repetir as análises ao sangue: "Achavam que aqueles valores não era possíveis." Mas eram. Carlos Neves, dez anos, acabava de receber o diagnóstico: tinha diabetes tipo 1, uma doença auto-imune e incurável que, juntamente com a diabetes tipo 2 e gestacional, afecta 13% dos portugueses.

Os avós, "muito presos aos mitos" associados à doença, "acharam que era o fim do mundo". Os pais, preocupados, apressaram-se a aprender tudo sobre o problema do filho. Carlos, um miúdo, não se apercebia bem do que se passava: "Não sabia absolutamente nada sobre diabetes, por isso o impacto imediato foi mínimo", recorda. Passaram 19 anos. Carlos Neves é agora presidente da Associação de Jovens Diabéticos (AJDP), prestes a completar vinte anos de actividade, e dedica parte do seu tempo a combater mitos e estereótipos ligados à doença. "Queremos mostrar que ter diabetes não tem de ser um grande problema desde que seja controlado."

Todos os dias, 160 portugueses descobrem que têm diabetes. São 13% da população, mas, diz o Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes de 2014, 5,7% ainda não sabem, ou seja, há mais de 400 mil pessoas que desconhecem o diagnóstico. É a doença com mais prevalência em Portugal e, na esmagadora maioria dos casos (90%) está associada a sedentarismo e obesidade. "A diabetes tipo 2 é um grave problema das sociedades desenvolvidas. É preciso investir na educação alimentar e e desportiva em todas as idades", sublinha Carlos Neves. A doença do presidente da AJDP, diabetes tipo 1 ou mellitus, é diferente: "Até onde se sabe, não é prevenível. Mas tal como a tipo 2, há um aumento da prevalência. E não há nenhuma explicação sólida que o justifique."

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Lidar com a doença nunca foi para Carlos Neves um bicho de sete cabeças. "Há uma coisa muito engraçada na doença que é o facto de, no início, o pâncreas ainda conseguir produzir alguma insulina. É a chamada lua de mel da diabetes, uma espécie de tempo extra para nos habituarmos às rotinas", disse ao P3 numa entrevista telefónica. As rotinas passaram a incluir, por exemplo, canetas de insulina — substituídas há já sete anos pela mais inovadora bomba de insulina —, medidor de glicemia e pacotes de açúcar sempre no bolso.

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O estado de espírito da pessoa e o stress também influenciam os níveis de glicemia Radu Sigheti/ Reuters

A alimentação, o desporto e a quantidade de insulina injectada têm de ser geridos de forma cuidada. Controlar esses pilares, refere Carlos Neves, é meio caminho andado para ter uma vida normal. Mas há outros factores mais imprevisíveis: "O estado de espírito da pessoa e o stress influenciam os níveis de glicemia. Para dar um exemplo: em épocas de exames, é normal que a glicemia aumente, logo devemos tomar mais insulina. O frio ou o calor também influenciam."

Cada paciente tem uma reacção diferente. As terapêuticas são, por isso, ajustadas por um método de tentativa e erro. "O início é o mais complicado e o período que exige mais cuidados. Mas à medida que o tempo passa as limitações desaparecem", conta. Neste momento, conta Carlos Neves, não há nenhuma restrição no seu quotidiano. "Convém manter uma alimentação saudável para manter os níveis de glicemia normais e evitar o excesso de peso. Mas não é isso que se recomenda a toda a gente?".

Um mito chamado açúcar

Carlos já ouviu muita gente dizer "disparates" em relação à doença e conhece muitos relatos de erros de comportamento por ignorância. "Há casos de miúdos que vão ao bar da escola aflitos pedir um pacote de açúcar porque estão com uma hipoglicemia e se deparam com funcionárias que lhes dizem que nem pensar porque eles são diabéticos e não podem consumir açúcar", relata. Ao contrário de uma pessoa saudável, o pâncreas de um diabético não produz insulina. Mas isso não significa que o organismo não precise de açúcar. "O que temos é de jogar muito bem com as doses de insulina, consoante aquilo que comemos e a actividade física que fazemos", explica o presidente da AJDP.

Esta missão de educação é uma das mais importantes para a AJDP. Os associados — que são cerca de 500 e têm entre quatro e 80 anos — participam em programas em creches, escolas e lares de idosos e organizam regularmente uma série de actividade, como caminhadas, subidas a montanhas ou colónias de férias. "Tentamos mostrar como usar o desporto para controlar os níveis de glicemia e também que é uma doença normal. Há muita gente que não ultrapassa a vergonha, que tem problemas em tomar insulina em público. E nesses espaços somos todos iguais e ajudamo-nos."

O preconceito em relação a estes pacientes ainda existe. Mas boa parte dele, acredita Carlos Neves, é mais arrastado por ignorância do que por outra coisa qualquer. "Eu nunca senti, mas sei que foi por ser sempre muito directo em relação às coisas. Sempre assumi a doença. Chegava à escola e dizia o que tinha e como é que isso influenciava a minha vida. Não deixava que decidissem por mim. Nas aulas de desporto, por exemplo, sempre fui eu que estabeleci o que podia e não podia fazer."

As crises de hipoglicemia são "perfeitamente normais". "Em média, uma vez por semana acontece. O segredo é aprender a reconhecer os sintomas — tremuras, palidez, alguma confusão mental — e agir. É por isso que andar com pacotes de açúcar é obrigatório", explica. A insulina que os diabéticos tipo1 têm de tomar é 100% comparticipada, mas as tiras utilizadas no aparelho de medição de glicose são apenas parcialmente comparticipadas. Cada 50 (que dão para cinco dias, em média) custam à volta de dois euros.

A bomba de insulina, um aparelho que fica permanentemente ligado ao paciente por um cateter e que libertam insulina de acção rápida 24 horas por dia, tem um custo de três mil euros, aos quais se juntam entre 250 e 300 euos de custos mensais. O equipamento é 100% comparticipado, mas ha uma lista de espera significativa.

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