Epicentro em Atenas

O epicentro em Atenas mudou as ondas da Europa e, desde já, vemos a terra a tremer em Madrid e em Dublin. Atenção aos sismógrafos em Portugal

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Kostas Tsironis/Reuters

A vitória de um Governo popular contra a austeridade na Grécia deixou aberta uma fenda na Europa. Atenas é hoje o centro político e económico da UE e, seja qual for o destino deste Governo, os efeitos totais desta eleição não poderão ser medidos nos próximos dias, semanas ou meses.

Funcionasse ou não a chantagem do Eurogrupo sobre a Grécia, ficou à vista de todo o mundo como trabalha este “grupo”. O Governo alemão faz questão de ter as suas próprias fontes a dizer o que deve ser decidido antes e durante as reuniões do Eurogrupo e o presidente Dijsselbloem, repete as conclusões alemãs. Seria difícil uma exposição tão clara.

O terramoto da proposta política do governo Syriza não é que seja revolucionário ou reformista, mas simplesmente que propunha cumprir das leis nacionais e defender a existência de um Estado Social, isto é, aquilo que, melhor ou pior, permitiu solidificar a Europa enquanto região com algo em comum. Só que a única coisa que o Eurogrupo tem a apresentar (isto é, a visão da Alemanha para a Europa) é a destruição do Estado Social e dos salários, para aumentar “competitividade” e seguir a corrida para o precipício, deixando que os lucros de poucos determinem como funciona uma economia nacional ou regional, em vez dessa economia satisfazer as necessidades da população que a constrói e que nela trabalha.

Após a eleição ficou clara a falha sísmica que foi montar um discurso moralista em cima da questão da dívida. Apesar da pressão alemã para não se tocar nas dívidas insustentáveis (que resultam não de os povos terem vivido acima das suas possibilidades, mas de terem pago a partir de 2008 a maior crise financeira desde 1929), os bastiões do liberalismo, do "Finantial Times" ao "The Economist" concordaram com a ideia grega de cortar na dívida.

Europa de veias abertas

Sempre e desde que se mantivessem as “reformas estruturais”, isto é, que se continuasse a precarizar o trabalho, a desmantelar o Estado Social e a aumentar os impostos, retirando salário de forma indirecta e directa a quem trabalha. Foi neste ponto a principal colisão com o Governo grego, que propôs restabelecer o rendimento a quem foi saqueado com a crise e com a intervenção da troika.

Simultaneamente quis fazer aquilo que ainda não vimos até hoje, nem na Grécia, nem em Portugal, nem na Europa: ir atrás daqueles que se beneficiaram com a crise – os corruptos, os banqueiros que receberam o dinheiro da troika e que não o disponibilizaram em crédito às populações, mas que reinvestiram na especulação, os criadores e beneficiários de PPPs, os patrões que não pagam os impostos dos empregados, os multimilionários que não declaram os seus rendimentos e que os alojam em paraísos fiscais, vivendo acima das nossas possibilidades. Veremos o que a Europa tem a dizer sobre pagar a crise com o dinheiro de quem a criou.

E estamos aqui: Europa de veias abertas e exangue, com a reiterada escolha de dar o dinheiro de quem trabalha aos bancos, de precarizar e desempregar a sua juventude para pagar a crise contínua da banca e da finança, que decide como se remunera a si mesma, escolhendo sempre muito. No topo, a Alemanha a dizer como será o futuro e a maior parte dos dirigentes políticos nacionais a submeterem-se e, na sua mesquinhez, a gabarem-se da curvatura das suas costas perante Merkel. Mas esta história está ainda longe de ter acabado. O epicentro em Atenas mudou as ondas da Europa e, desde já, vemos a terra a tremer em Madrid e em Dublin. Atenção aos sismógrafos em Portugal.

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