Eu, professor

Eu sou professor e recuso-me a ser avaliado quando já o sou em todas as reuniões nas quais participo, de manhã à noite

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Adriano Miranda

Eu sou professor e não vou ser avaliado. Porque sou avaliado todos os dias, desde as sete da manhã às oito da noite, desde o portão da escola à sala de aula, pelo modo como digo bom dia, boa tarde ou boa noite, porque sorrio e aperto as mãos dos pais que à escola vêm à procura do futuro dos filhos que são os seus, à procura do futuro que é o seu.

Eu sou professor e recuso-me a ser avaliado quando já o sou em todas as reuniões nas quais participo, de manhã à noite, às custas da minha mulher e da minha família, em prol de outras mulheres e outras famílias, porque eu não sou professor, nunca o fui, não o somos, somos missionários e somos crentes, guardiões da maior das verdades: a educação é a chave para a ascensão social.

Eu sou professor e não vou ser avaliado, porque já o fui à partida ou não traria o canudo debaixo do braço esquerdo a fazer companhia à espada no braço direito, brandida contra o silêncio e a ignorância, contra o preconceito, e contra o medo, o medo de votar, o medo de acreditar.

Nós não somos professores, somos elementos de mudança e, como tal, carecemos de avaliação, antes avaliamos. "A dangerous job, being a teacher is", diria o Yoda se o Yoda alguma vez tivesse existido. Ao longo da História fomos perseguidos, ao longo da História fomos chacinados, ao longo da História fomos crucificados. Hoje, lamento imenso, mas ao que parece estamos, mais uma vez, a fazer História, porque perseguidos, porque desacreditados. Não porque tal seja nossa intenção, mas porque um punhado de senhores colocados ao nível do privado têm contas por pagar e férias por fazer em destinos paradísiacos cujas praias de madre-pérola e águas opalinas são em tudo mais para além da educação de um país, são em tudo mais para além dos teus filhos, mais para além da tua vida e tudo quanto fizeste, até agora, bem ou mal, pela mesma e por ti.

Entenda-se: um bom professor é um professor morto, ou então desempregado, ou precário, mas obediente. Cá fora, no entanto, fora da bolha lusa, continuamos, ensinamos. Não, não padecemos, não, não fenecemos, antes ressuscitamos das cinzas desta política de terra queimada, cientes de uma guerra da qual não somos responsáveis mas contra a qual não hesitamos responder. E por isso ensinamos, e por isso debatemos, e por isso acreditamos, e por isso, e por isso e só por isso, sacrificamos as mãos e os dedos mais as rugas na testa e a idade que só nos faz mais velhos diante de crianças cada vez mais novas.

E, no entanto, sabemos não ser nossa intenção viver o dia em que o ser humano se fará para lá do ser humano, livre de si próprio e dos seus preconceitos. Porque, no fundo, somos apenas professores. Ninguém dá um tostão furado pela gente, não sabias? E por isso, e só por isso, todos os dias, de manhã à noite, fazemos o mundo girar.

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