"Boom" turístico é solução temporária para licenciados sem emprego

Entre as caves do vinho, as dezenas de hostels que apareceram no Porto e os novos tours que vão surgindo, o "boom" turístico da cidade tem servido de solução de curto prazo para muitos licenciados sem trabalho

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Paulo Pimenta

"Durante um ano tentei arranjar algo na minha área, mas a resposta era sempre a mesma: não tinha no meu portefólio traduções reconhecidas por nenhuma entidade", contou à agência Lusa Ana Sousa, formada em Línguas, Literaturas e Culturas. Foi este vazio de opções que, em Março de 2013, um ano depois de ter terminado um mestrado em Estudos de Género, a levou a tentar a sorte nas caves Sandeman, como guia.

"Aceitei por ter visto aí uma oportunidade de melhorar o inglês e o alemão", explica, garantindo que todos os seus colegas, licenciados nas mais variadas áreas, viram ali um "escape". Ainda assim, agora que não lhe renovaram contrato por ter terminado a época alta, não esconde a frustração: "Andei quase 18 anos a estudar para arranjar um trabalho que não é, de todo, aquilo para que estudei. Sentia-me ainda pior por ser tão mal paga tendo tantas competências", recorda, lamentando o facto de ganhar perto de 500 euros, apesar de trabalhar das 10h às 19h.

O cenário estende-se aos hostels que, ao longo da última década, se foram multiplicando na cidade ao mesmo ritmo que foi crescendo o número de turistas que fazem dela destino de eleição — em 2013 e 2014, o Porto venceu mesmo o prémio de Melhor Destino Europeu.

Segundo dados recolhidos pela Lusa, dos 10 hostels da cidade com maior pontuação no Booking.com, oito contam com jovens trabalhadores licenciados em áreas que vão desde a arquitectura ao design, passando por engenharia, marketing, nutrição, educação, sociologia ou multimédia. Para todos, o turismo vai servindo de "solução temporária".

É este o caso de Daniela Martins, licenciada em Ciência e Tecnologia do Ambiente que, para fugir ao desemprego, concilia um "part-time" num hostel com o trabalho numa empresa de "free walking tours" — visitas turísticas gratuitas, que se baseiam num sistema de gorjetas. "Comecei a fazer tours um ano depois de me licenciar, quando vi que os currículos que enviava na minha área não mereciam qualquer resposta. Como estava à vontade no inglês e no espanhol, encarei isto como uma forma de ganhar algum dinheiro", conta, garantindo que não quer "viver do turismo para o resto da vida".

O caso da Pancho Tours, a empresa para a qual Daniela trabalha, em funcionamento no Porto desde 2009, é paradigmático: em sete guias, seis têm formação superior e destes apenas uma estudou turismo. Uma situação que merece críticas aos guias profissionais. "Fiz um curso de três anos, passei um Verão inteiro a estudar para o exame e agora vêm estes meninos tirar-nos trabalho", lamenta Joana Rocha Leite, guia profissional a tempo inteiro desde 1988, pedindo que algo "seja feito" para corrigir a situação. Apontando o dedo ao facto de estes "concorrentes" não pagarem impostos, a profissional de turismo não poupa críticas aos "jovens que agora acham que o turismo os pode salvar": "Às vezes são eles que trabalham e nós ficamos em casa, sobretudo em época baixa."

De acordo com números da Associação de Turismo do Porto e Norte, a hotelaria do concelho registou, em 2013, perto de 2,5 milhões de dormidas, um número que representa um aumento de mais de 100% face aos valores de 2004 (pouco mais de um milhão de dormidas).

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