Os pais estão a dar amor a 50%

Num contexto cada vez mais consumista e voltado para o “ter” e não o “ser”, os pais estão a descurar o melhor presente de Natal possível: formar uma personalidade íntegra e preparada para a vida

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Lucélia Ribeiro/FLICKR

Compreendendo que a exigência de rotinas, de trabalho e de esforço para singrar na vida são cada vez maiores, peço, desde já, desculpa a todos os pais que possam ficar ofendidos com o que tenho a dizer mas, na verdade, caros pais, acho que temos um problema sério.

Cada vez mais ouço e vejo situações em que aquilo que os pais mais desejam é que os filhos estejam sempre caladinhos e quietos em vez de serem putos reguilas, que é o mais saudável. Assim, enchem-nos de videojogos, brinquedos que promovem o não convívio e partilha e toda uma artilharia de produtos que incentivam este “acalmar”, mas que são um presente envenenado a médio e longo prazo, já que depois se verificam desestruturações enormes a nível da interação e de todo o saber viver com os outros.

O preocupante, a meu ver, é que isto já é largamente amplificado até pelos media que fazem publicidade, que procura vender produtos que estimulam a criação de um mundo virtual para a criança, mas que a retira do mundo real, o da fisicalidade, aquele que a irá ensinar a lidar com imensas relações ao longo da vida.

Agora a seguinte pergunta de uma senhora amiga: O que será mais importante, o que deixamos aos nossos filhos, ou os filhos que deixamos no mundo?

A maior parte das personalidades que estamos a criar neste momento é a de crianças que não sabem lidar com os “nãos” e de pais que querem ter a titularidade de tal e acham que o amor se manifesta apenas por dar tudo o que existe de material, ao invés de se preocuparem com os valores de responsabilidade, de partilha, de autonomia que se esperam incutidos desde tenra idade.

Por isso, neste Natal, desisto de me dirigir às pessoas que são voluntárias e ajudam os pobres só em Dezembro (espero que caiam na realidade do ridículo de só considerarem a existência de um «outro-frágil» uma vez por ano) e quero alertar os pais para a importância da comunicação na família, do brincar ao faz de conta com os filhos, do contar histórias, do mascarar de Pai Natal, do pendurar meias numa lareira, ou mesmo levar os filhos a ver realidades diferentes, que podem estar mesmo ao lado na rua. Talvez esse seja o verdadeiro espírito natalício e o melhor amor que se pode dar, o de construir indivíduos íntegros que serão capazes de explorar a diversidade do mundo e amar além de oferecer presentes e gadgets com smiles.

Considerando que o material pode ser 50% da nossa realidade, por que não trabalhar os outros 50%, os do imaterial? Parecem-me mais urgentes!

Um bom Natal a todos/as.

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