Guiné-Bissau: África torna-nos melhores

Com o decorrer do tempo, aprendemos a lidar com o peso da nossa existência. Aprende-se a contar estrelas, a observar o céu e as novas constelações

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Carla Carvalho Tomás

Mal se abriram as portas do avião fomos assolados por uma humidade inexorável, que nos cumprimentou varonilmente com um abraço e um calor ubiquista. Fotografei o momento para registar esta nova etapa. Contudo, rapidamente fiquei sem a máquina fotográfica. Foi confiscada.... Após alguns instantes de negociação pacífica voltei a recuperar a minha melhor amiga. Bem-vinda a Bissau! Bissau, cidade encantadora!

As ruas estimulam os sentidos e a vontades; tudo é novo, tudo é diferente: as cores, os cheiros, as maneiras e os costumes. Quando deambulamos pelas ruas ouvimos os gracejos das crianças que puerilmente nos chamam "branco pelele", que significa branco, muito branco, às quais respondemos com: "Preto umbau", que significa preto, muito preto.

A malária é o problema dos ocidentais. Sempre que sentíamos uma picada, procurávamos com a luz do telemóvel o mosquito, para ver se era mesmo um. O Mephaquin aterrorizava-nos com os ataques de ansiedade, as dores de barriga eram constantes, adquirimos um novo perfume (o repelente), as pernas ganharam um novo padrão devido as mordidelas assassinas e o nosso odor corporal modificou-se com o fim dos perfumes e dos cremes. Mas o heterónimo nasce!

Viver numa casa sem luz e sem água não é fácil. Com o decorrer do tempo, aprendemos a lidar com o peso da nossa existência. Aprende-se a contar estrelas, a observar o céu e as novas constelações. Acabamos sempre o nosso pensamento com a ideia curiosa de que estamos todos cobertos pelo mesmo manto cintilante. Vislumbram-se ruas cravadas com pontinhos luminosos, ouvem-se os geradores, a "kizomba" errante acaricia-nos, os nossos sentidos ficam mais apurados, continuamos a tropeçar nas ruas, mas com o tempo apuramos a técnica.

Descobrem-se cores novas: nunca tinha visto um verde tão vivo, um amarelo tão ígneo e um vermelho tão cálido. Renascemos com os banhos de chuva, com as trovoadas, com o pôr-do-sol.

Em suma, África torna-nos melhores. A nossa sensibilidade é apurada, o essencial torna-se acessório e o importante secundário. Abrimos prateleiras da alma que até então estavam fechadas e voltamos a reorganizá-las, a tirar sentimentos oprimentes, que nos pesam, que nos arrastam e que nos fazem reféns amordaçados. Ficamos mais tolerantes, humildes, sentimos mais e somos mais. Saudades tuas!

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