Iva Viana: a estucadora que não quer deixar cair o estuque

Tem peças espalhadas pelo mundo, mas agora quer apostar cá dentro. Natural de Viana de Castelo, Iva já é vista como a herdeira de um legado histórico pelos antigos artesãos

Ao som de Astor Piazzolla, ela dança sobre o que virá a ser uma moldura. A par e passo, as mãos mergulham num balde e alvas emergem. Cavaco montado, há que correr o gesso — e, com ele, correm os dedos, os braços, o corpo, tudo serenamente pintalgado de branco. No seu atelier de escultura, Iva Viana trava batalhas contra o tempo. Tem de ser, para "dominar a matéria". Porque "o gesso tem um tempo, é ele que comanda". E deve ser valorizado como já o foi no passado, quando o estuque estava em (quase) tudo o que era tecto e parede.

Natural de Viana de Castelo, berço antigo dos melhores estucadores do país — há quem diga, até, do mundo — Iva quer seguir as pisadas dos ascendentes e "voltar a pôr o gesso e o estuque no mercado". E pensar que há uns anos, quando estudava Escultura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, fugia do gesso a quase sete pés. Trabalhou com pedra, cerâmica, até areia. "Detestava trabalhar gesso", confessa. O mais irónico, diz, entre risos, é que uma das casas onde viveu no Porto tinha estuque: "Não guardo uma única fotografia do tecto; só por aí já dá para perceber."

O que mudou? Foi no final do curso, em 2007, quando recebeu uma proposta de trabalho de uma empresa internacional de gessos decorativos, que o seu olhar começou a mudar. Ali, durante seis anos, contactou com "estucadores brilhantes". Aprendeu, experimentou, cresceu e, pelo meio, apaixonou-se pelo estuque. No início, recorda-se, foi difícil. Não é à toa que não há muitas mulheres nesta área: "É um meio totalmente masculino." Talvez por ser um trabalho muito físico, o que, diga-se, até lhe agrada — para estar em boa forma, pratica remo. "Eu uso o remo para me fortalecer. Tenho de pegar em sacos de gesso com 25 quilos." Naquela empresa, aqueles "senhores" que estavam à sua volta, que a viam como uma "menina", que achavam que uma mulher nunca se iria interessar pela arte, acabariam por mudar de ideias quando, quase sem darem por ela, já Iva corria os moldes como eles.

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Apesar de sediado em Viana do Castelo, o atelier está aberto para o mundo inteiro Tiago Dias dos Santos

Foi assim que viu o seu trabalho ir parar aos quatro cantos do mundo, da China a Nova Iorque. Tem um painel no Hotel Four Seasons, em Londres, (gabado por Geoffrey Preston, autêntica sumidade na área, com quem pode vir a colaborar em 2015), outro no Sangri-La, em Paris, obras espalhadas pelos navios de cruzeiro da Disney. Até que, em 2013, sentiu que era altura de dar outro salto, de "perceber como era o mundo lá fora", como se contactava com os clientes, por exemplo. Em contraciclo com grande parte dos jovens do país, despediu-se e abriu o seu próprio atelier de escultura, em Viana do Castelo. "Só ao fim de seis anos é que comecei a mostrar aquilo que fazia."

Estucadora e escultora

A necessidade de contactar directamente com o cliente motivou Iva Viana a lançar-se num projecto próprio, em 2013

Está no "caminho certo", acredita a jovem de 33 anos. Considera-se estucadora e escultora — à parte técnica do estuque junta assim a modelação e a criatividade da escultura, sempre com um toque feminino. Apesar de sediado em Viana, o atelier está aberto para o mundo inteiro — tem tido, aliás, vários contactos internacionais e há uma moldura gigante que está prestes a viajar. A verdade é que "o mercado nacional está muito difícil". Por causa da crise económica, mas não só: "Há uma certa dificuldade em valorizar o trabalho manual." E, por outro lado, há um certo "preconceito" em relação ao gesso, nem sempre encarado como um trabalho final. Quando para Iva as suas peças não podem exigir uma pintura. Têm de "sobreviver sozinhas", funcionar a branco, apenas com "luz e sombra".

Paralelamente, tem visitado e conhecido antigos estucadores. Vai aos ateliers deles, convida-os a visitar o seu. As reacções são comoventes, diz. "É mesmo muito bonito. Eles ficam espantados e, ao mesmo tempo, contentes. Supostamente é uma arte que estava a morrer e vêem que pode ter aqui um novo arranque." Vêem-na, quiçá, como a herdeira de um legado. Há uns tempos, vieram-lhe parar às mãos moldes centenários e peças em gesso, provenientes de um antigo estucador que Iva nem conhecia. Tinham-na recomendado, na qualidade de pessoa que saberia usar e valorizar esses bens. "Eles perceberam que há alguém que não quer deixar o estuque morrer, que quer dar a continuidade a um trabalho que representa o país."

Para Iva, seria importante construir um arquivo do estuque em Viana, respeitando a história que a cidade ocupa nesta arte. E valorizar os "tectos únicos" que ainda se escondem por aí, preservar o património que ainda existe. Quer também, de algum modo, democraticar o gesso, fazer com que "chegue mesmo a toda a gente".

Faz a sua parte. Aceita encomendas, claro, mas depois das grandes obras tem apostado em peças de pequena dimensão, que estão à venda em espaços em Viana do Castelo (Objectos Misturados), Porto (CRU e Loja de Serralves), Santa Maria da Feira (gabinete de design ivomaia) e Guimarães (Centro de Artes e Ofícios Casa da Senhora Aninhas). No ano passado, uma delas, "Positivo/Negativo", foi seleccionada para a 5.ª edição dos POPs — Projectos Originais Portugueses da Fundação de Serralves. A mais recente, "A Palavras Loucas, Orelhas Moucas", ronda os 70 euros. E já estão por aí uns novos pisa-papéis, fruto de uma parceria com a Vira Retro. É como se lançasse garrafas com uma mensagem no meio do oceano. Da primeira vez que abriu o atelier no Inauguro fez peças "muito pequeninas" para oferecer aos visitantes. Alguém lhe resumiu a missão: "Isto é muito bonito. Assim toda a gente pode ter um bocadinho de ti e de estuque em casa."

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