Afinal, o Facebook antes de o ser, já o era

E. M. de Melo e Castro foi um dos precursores da poesia experimental em Portugal. É toda uma tradição literária única, contemporânea, para situar, mas os currículos dos cursos de literatura ignoram-nos

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Fotograma do Videopoema Rede, Teia, Labirinto© E. M. de Melo e Castro

Afinal, o Facebook antes de o ser, já o era. Não vou bater no ceguinho da importância dos artistas experimentais em Portugal e no mundo. Fala por si o seu legado e nem isto é uma apologia de coisa alguma. Em todo o caso, de vez em quando é preciso dar a conhecer alguns factos, quase ausentes que estão da academia e conhecimento comum. Se o conhecimento não é importante, como explicar a febre do "everyday’s blue fever"? Estou a falar do tempo e curiosidade com que todos nós passamos hoje dentro daquilo que baptizei algures de "quadrado azul", em homenagem a Malevitch.

E. M. de Melo e Castro foi um dos precursores da poesia experimental em Portugal, com António Aragão, Salette Tavares, Ana Hatherly, José-Alberto Marques, Alexandre O’Neill, entre mais, nos anos 60. Seguiram-se-lhes outros. É toda uma tradição literária única, contemporânea, para situar. Os currículos dos cursos de literatura ignoram-nos (excepções: o programa em Materialidades da Literatura na Universidade de Coimbra, a UFP). Porquê? Porque se desafia os estereótipos literários e estéticos dos Estudos Literários em Portugal. Primeiro estranha-se… A literatura portuguesa está de boa saúde e recomenda-se? Tenho as minhas dúvidas. Reflexão, no entanto, que ficará para depois.

Voltando ao Facebook. Influenciado pelo Concretismo brasileiro, E. M. de Melo Castro teve a clarividência de perceber que, a partir dos 70’s, se entrava definitivamente na era da tecnologia avançada, dois séculos depois da revolução industrial. Não foi o único. Pedro Barbosa, por exemplo, foi o percursor da literatura computacional em Portugal, pese embora há relativamente pouco tempo, uma notícia desse conta deste estado de flagrante desconhecimento de que falava no início. Antes de se achar que se descobriu a pólvora, é preciso saber um pouco de história.

Melo e Castro, por seu turno, figura proeminente daquela geração de poetas, foi um dos principais artistas intermédia do seu tempo, sendo pioneiro a vários níveis. Um exemplo: numa série de vídeo-poemas criados entre 1985 e 1989 intitulada "Signagens", disponibilizados recentemente pelo Arquivo Digital da Poesia Experimental, o poeta aprofundou o conceito de rede, recorrendo, num deles, à fórmula do quadrado demarcado pelas fronteiras oblíquas, azul, preenchido de caracteres em hiperligação dinâmica, labiríntica (ver fotograma). O que é o Facebook se não isso? Mark Zuckerberg, já foste.

Fê-lo na década de 1980, a "tal" da música foleira, mas que, afinal, testemunha um dinamismo cultural e tecnológico por demais evidente. Sublinho, como referi noutro texto: os dois fluxos de memória sobre esta década persistem e fazem curto-circuito. Comecei por dizer que não se tratava de uma apologia. Limito-me a demonstrar aquilo que parece ser uma criação estética e tecnológica "avant la lettre". É claro que isto é uma chamada de atenção aos Estudos Literários e Culturais em Portugal. É claro que é ignorantes, pobres e brandos que nos querem.

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