Livraria de arquitectura abre em edifício de Siza

Com excepção da livraria da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, a Circo de Ideias é a primeira especializada nesta área a abrir portas no Porto. Criadores querem que o espaço seja um "canal de diálogo" para arquitectos e amantes da arquitectura

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Regina Coelho

Não fazia sentido em mais lado nenhum. Ali, no Bairro da Bouça, onde todos os amantes de arquitectura que passam pelo Porto fazem questão de ir, a editora Circo de Ideias abriu uma livraria especializada em arquitectura - e isso, acreditam os criadores, é uma bela notícia para quem se interessa pelo ramo.

Com publicações de mais de duas dezenas de editoras (muitas com catálogos completos) e algumas preciosidades como revistas internacionais ou todas as edições do Jornal de Arquitectura, a livraria Circo de Ideias, com portas abertas desde este sábado, 25 de Outubro, quer "ser um canal de diálogo com os outros arquitectos ou interessados em arquitectura" e uma montra para "ofertas que não existem noutras livrarias, cada vez mais desfalcadas em termos de interesse para a arquitectura".

Pedro Baía, um dos quatro jovens arquitectos envolvidos no projecto, identifica a falha por experiência própria: muito do que procura "não está disponível nas grandes livrarias" e só encomendando online é possível obter determinadas obras. "Chega-se à prateleira [dedicada à arquitectura] e faltam livros, faltam autores, faltam temas. Isso é grave. Foi também essa a nossa aposta, livros mais esquecidos, que não estão presentes em livrarias grandes", conta ao P3, acrescentando que a lacuna se tem acentuado nos últimos anos: "Livrarias de referência como a Leitura foram perdendo a dinâmica e outras deixaram de investir."

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A Circo de Ideias, por exemplo, chegou a ter os seus livros expostos na FNAC, mas a dada altura a grande cadeia decidiu quebrar a parceria: "Disseram que deixaram de ter interesse em representar editoras pequenas. E não aconteceu só com a Circo de Ideias. De repente ficam só grandes editoras", lamenta.

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Mais do que uma livraria

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Nesta pequena livraria, na Rua da Boavista, haverá também espaço para outras actividades. Pedro Baía, Joana Couceiro, Magda Seifert e Ana Resende - os três primeiros arquitectos de Coimbra e fundadores da editora, a última a mais recente aquisição da equipa depois de ter passado por projectos como Ruptura Silenciosa e continuar a fazer parte da Glote — querem aproveitar uma parede do espaço para fazer exposições (a primeira será dedicada ao SAAL), vão organizar lançamentos de livros, debates e pensam até em ciclos de cinema. "Este passo também concretiza a vontade de intervir mais nas discussões, chegar às pessoas, ter a generosidade de abrir portas", acrescenta Pedro Baía.

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A editora - que começou por ser apenas uma associação criada em 2008 para viabilizar o lançamento do livro "Berlim: Reconstrução Crítica", a propósito dos vinte anos da queda do muro - acaba de lançar o seu décimo livro, "Koolhaas Tangram", dedicado à obra do arquitecto da Casa da Música e com edições em português e inglês. Com ele, fechou-se um ciclo de uma dezena de publicações com um denominador comum que em muito facilitou o processo: o apoio da DGArtes.

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Ainda este ano, a Circo de Ideias vai publicar mais duas obras, já sem apoios e agora com a tentativa de serem "sustentáveis". "Zé Gigas, poeta popular — antologia poética", uma compilação da poesia que o arquitecto José Gigante vem juntando desde os anos 70 e que quem convive com ele vai conhecendo: "Sempre que há um encontro de arquitectura — seja um jantar, um conselho científico na faculdade ou um workshop —, ele faz uma poesia no final."; e "A Casa do Senhor Malaparte", o primeiro livro de uma colecção de sete obras sobre casas internacionais paradigmáticas do século XX: "Vamos abordar estas obras de uma forma mais poética e informal, acompanhando o texto com ilustrações feitas por arquitectos. Abrir a arquitectura para crianças ou para pessoas que queiram conhecer as obras de uma forma menos académica."

O espaço que os arquitectos encontraram no Bairro da Bouça foi fundamental para que o projecto da livraria vingasse: "Para nós isto só fazia sentido aqui na Bouça, por ter esta ligação com este projecto do Siza. Há muitas pessoas que trabalham e vivem aqui que são arquitectas, e passam aqui muitos estudantes de arquitectura. Acaba por ser obrigatório visitar a Bouça, como quem visita a Casa da Música ou a Casa de Chá ou a Piscina [das Marés]. Isto será um ponto obrigatório para sempre, é um marco da arquitectura."

A livraria da Circo de Ideias (a explicação para a escolha do nome envolve várias histórias mas há uma parte conceptual de simples justificação: "O modo como entendemos a arquitectura, enquanto campo de produção cultural, faz com que o circo seja uma boa metáfora.") não é a ocupação profissional única de nenhum dos quatro arquitectos envolvidos no projecto ("Não dá para isso.") mas significa para todos um importante passo: "É um montra que dá dignidade aos livros, permite-nos receber pessoas. É um passo importante para nós e para os autores que representamos."

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