O romantismo é parvo

Na vida, o impossível, por definição, nunca acontece (senão era possível). E nem sequer precisamos de ser românticos para sonhar e empreender

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Sergei Karpukhin/Reuters

Sei bem que o romantismo é um movimento artístico, filosófico e intelectual complexo e diversificado, quer nos seus diferentes campos de aplicação, quer nas geografias em que foi mais utilizado. Por isso, nem tudo no romantismo é parvo.

O movimento romântico seminal enalteceu a liberdade individual, a subjectividade emocional, a criatividade artística e a ligação à natureza, o que foi louvável. Porém, o endeusamento da tristeza e da melancolia, o gosto pelo sofrimento e a busca da solidão, o desejo da morte como libertação, a atracção pelo sobrenatural e pelo mistério, a crença em agoiros, superstições, lendas e mitos, o gosto pela noite, pelo sombrio e pelo macabro, a busca de heróis incompreendidos ou o escapismo (a necessidade de fugir do real e do conhecido) já me parecem muito pouco interessantes. E aquilo que acabou por ficar como marca do espírito romântico foi o exaltar das emoções exacerbadas (por oposição à racionalidade e à temperança) e a procura de mundos ideais. E essa ideologia encanita-me.

É que o romantismo, enquanto ideologia, pode ser aplicado a tudo na vida: ao amor (achando que apenas a paixão interessa), ao empreendedorismo (achando que basta ter criatividade e vontade para triunfar), à amizade (achando que essa é uma relação nobre, livre de traições ou invejas) ou à política e à sociedade (achando que as utopias e os impossíveis é que devem guiar a acção colectiva). E essa atitude é parva e perigosa: é que a vida não é romântica…

Na vida, o impossível, por definição, nunca acontece (senão era possível). E nem sequer precisamos de ser românticos para sonhar e empreender. Podemos sonhar, e desejar tirar o melhor partido possível da vida, ao mesmo tempo que somos realistas. Deixarmo-nos enlear pelo romantismo é como usar drogas que nos proporcionam “trips” fantásticas mas que, depois, descambam em ressacas horrorosas e prolongadas. Uma montanha russa com altos cada vez menores e baixos cada vez mais profundos. Enfim, uma vida insustentável e decadente…

Ter uma atitude romântica na vida não é conducente a uma felicidade sustentável mas sim a uma vida plena de frustrações, pontuada por momentos de grandes alegrias.

Do romantismo, praticamente só gosto da música: do Chopin, do Tchaikovsky, do Liszt, do Verdi, do Puccini ou do Wagner, que exaltam as emoções mais exacerbadas e nos proporcionam grande prazer, mas sem efeitos secundários. A pintura ou literatura românticas já me dizem pouco.

Na política, o romantismo é desastroso. Hitler, Estaline, Mussolini ou Pol Pot (ou outros quejandos), são todos nacionalistas exacerbados, filhos tardios do romantismo, que sonhavam com mundos perfeitos (por eles idealizados) e que tentavam torcer a realidade para que ela se convertesse aos seus sonhos. Mas isso nunca acontece. A realidade é sempre mais forte (não podemos distorcer as leis da física nem a natureza do ser humano). Ou seja, o sonho, para ser útil, concretizável, é que tem que se adaptar aos limites do real…

Existir gente capaz de sonhar, gente caritativa capaz de imaginar mundos melhores e de dar passos nessa direcção pode ser fantástico. Mas tem que ser gente com uma dose de realismo, pragmatismo e capacidade política assinalável para que essas mudanças se concretizem e possam ser frutuosas.

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