A Justiça em Portugal é simplesmente inacreditável

Tudo isto já deixou de ser lamentável para passar a ser patético. Não é o caos, é a completa estagnação, à margem da lei que extinguiu tribunais e onde os novos não têm processos

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Paulo Pimenta

Não fui propriamente uma entusiasta da Reforma do Mapa Judiciário, mas também não fui contra ela. Lamentei o encerramento de alguns tribunais e lamentei o facto de se ter criado a figura da "Secção de Proximidade", que sei ser uma ante-câmara do encerramento. Lamentei-o pelas consequências (de isolamento) que isso terá junto das populações. Porém, aceito a ideia de que o sistema precisava de ser alterado, para ser melhorado. Acreditei que, embora discordando de várias decisões que foram tomadas, o resultado iria ser positivo e as metas iriam ser alcançadas. Hoje, vejo-me forçada a concluir que o que está a acontecer na Justiça em Portugal é simplesmente inacreditável.

Falo a partir do meu conhecimento directo. O "Citius" todos os dias diminui o meu número de processos. Já vou em 26, talvez chegue aos zero. Ora desaparecem processos, ora aparecem e desaparecem tribunais (novos e extintos). E os prazos a correr. Os poucos processos que aparecem não estão nos tribunais onde deveriam estar redistribuídos. Há advogados, como eu, que têm quase a totalidade dos escritórios informatizados e que dependem do "Citius" para aceder aos processos.

Não sou ingénua. Já imaginava que haveria problemas, que nem tudo haveria de correr bem, mas nunca imaginei que passados 20 dias as coisas estivessem piores do que estavam no dia 1 de Setembro. Estão. Todos os dias há uma surpresa negativa. Todos há uma nova dificuldade. Um exemplo: o site onde é suposto consultar a redistribuição dos processos diz, em relação a todos eles, sem excepção, que "não há informação disponível", isto é, não informa onde estão os processos, em suma, não tem qualquer utilidade porque não cumpre a única função para a qual foi criado.

Tudo isto já deixou de ser lamentável para passar a ser patético. Não é o caos, é a completa estagnação, à margem da lei que extinguiu tribunais e onde os novos não têm processos.

Não me venham dizer que é possível praticar os actos pelo correio e consultar os processos fisicamente no Tribunal. Ninguém sabe onde estão os processos, demoram eternidades para os encontrar, quando os encontram. Há pilhas de processos nos átrios do Tribunal, nos corredores, processos onde estão dados da vida das pessoas, assuntos importantes, processos que são objectos aos quais ninguém dá a dignidade que um Estado de Direito impõe. Os processos não são papéis de rascunho, são documentos importantíssimos aos quais agora qualquer um que entre no Tribunal deita a mão porque estão numa pilha logo ali no átrio, sem ninguém que olhe por eles.

Estas imagens perdurarão para sempre na memória dos que as já viram e ainda verão. O impacto que têm sobre todos, mas principalmente sobre os que juraram solenemente servir o Direito e a Justiça é devastador. O impacto que tiveram sobre mim é já irremediável. É urgente pôr cobro a isto.

Não me preocupam demissões, nem pedidos de desculpa que nada reparam. Preocupa-me apenas a resolução dos problemas o mais rapidamente possível. Tornou-se insustentável assistir ao estado degradante a que isto chegou. Insustentável.

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