Três ideias para mudar o mundo: porque não fazemos por menos

No dia em que o P3 comemora três anos pedimos a algumas pessoas que fossem o génio da lâmpada e apresentassem três ideias de futuro. O antropólogo Tiago Matos Silva quer nos indignemos e zanguemos mais vezes

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Desmond Boylan/Reuters

1. Entorpecer os neo-liberais

Um geral e prolongado ataque de passividade dos neo-liberais deste mundo, para começar, dava um jeito bruto. Incluo não só o 1% que recolhe o grosso dos proventos do sistema como todos os úteis idiotas que, por fé ou cálculo, lhes fazem a cama e nos destilam diariamente o veneno da indiferença e da ganância. Podiam ir para casa, reler a Ayn Rand sentadinhos entre os retratos da Margaret Thatcher e do Gordon Gekko, fantasiar com o fim da história e acender velinhas ao Reagan, enquanto esperam que o “trickle down” comece a pingar ou a “mão invisível” nos largue a laringe. Imaginem seis meses sem estados de alma dos mercados, sem ninguém a revirar os olhos à expressão “funcionários públicos”, sem ninguém dizer a frase “menos estado mas melhor estado”. Seis meses para o resto da humanidade, a que exoticamente continua a achar a ganância e a falta de escrúpulos falhas de carácter, se concentrar em tentar resolver esta crise que veio não sabemos donde, estas alterações climáticas provocadas não sabemos como, esta concentração de riqueza que há de ser redistribuída não sabemos quando.

2. Paralisar os taradinhos do Senhor 

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Tiago Matos Silva é antropólogo, doutorando e investigador

Já que estamos numa de pedir ao Pai Natal que tal se todos os taradinhos do Senhor fizessem uma pausa também? Todos de todos os Senhores: dos maníacos que proselitizam com sabres e lapidações na Síria e no Iraque, aos rapazes do “este hectare também é meu disse-me o Moisés”, aos “profetas” a quem Deus manda desvirginar as meninas todas do “compound”, às boas beatas que vão insultar a dor alheia para a porta de clínicas de planeamento familiar, aos padres com queda para os miúdos (sim, estou a enfiar tudo no mesmo saco!). Toda esta malta que, montada num livro sagrado, louva a criação espalhando o ódio e o medo, exalta a benignidade de Deus distribuindo sofrimento à cabazada e à catanada. Nós, os vossos próximos, pedimos-vos que não nos amem com tanta força, que arranjem um “hobby” menos sangrento, que se dediquem ao cultivo de hortaliças, ou ao origami, ou ao tricot, ou às palavras cruzadas; que nos deixem a alma em paz e sossego.

3. Mexer-se, fartar-se, zangar-se

Finalmente, não esquecendo os dramas específicos do torrão natal: temos de dar uma hipótese a esta fanada e insuficiente II República. O tempo do paizinho acabou há 40 anos, se achávamos que ser cidadãos era lá ir botar o papelinho de quatro em quatro, erro nosso; a democracia é suposto dar trabalho, é suposto implicar vigilância dos eleitos e voluntarismo dos cidadãos. “Os políticos isto e os políticos aquilo” é conversa de Marinho e Pinto e de taxista, cidadão e político são sinónimos, políticos somos todos ou isto não chega a ser uma República a sério. Temos de nos mexer, temos de nos fartar, temos de nos zangar e se for preciso temos de gritar e parar o país. Temos de aprender a sentirmo-nos mais ofendidos pelos corruptos em que votámos do que chorar “que só prendem os meus porque os teus estão no governo”. O queixume abafado é um anacronismo, o tempo da boa-educaçãozinha medrosa, do lavar as mãos antes de ir para a mesa acabou e ainda bem. Se queremos azeitonas, temos de nos dispor a varejar as oliveiras.

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