Lisboa em Agosto

Havia de ser um sossego se não fosse nada connosco, se houvesse a possibilidade da negligência. Na rua adaptamo-nos ao passo vagaroso dos velhos e dos turistas

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Jose Manuel Ribeiro/Reuters

O calor faz-nos os passos duma calma aparente; a cidade envelheceu de repente, não há férias para os avós, as cabeças brancas fazem plenos nas esplanadas. Apanhar o autocarro a meio da tarde é mergulhar nas expectativas dos anos 50.

Aqui e ali ainda cheira a arraial, a carvão frio pingado de sardinha, ao dia seguinte das garrafas de mini vazias; quem chega agora sabe que acabou de perder a festa. Mas os turistas que alagam a baixa não sabem: olhos cheios de azulejos e bucho cheio de marisco compram por serenidade a catatónica resignação que vendemos uns aos outros.

A pequena malandragem goza a ver a grande na televisão, a grande transfere capitais para Marte; o resto do povo admira-se com o céu por cair depois da “detenção” dum Espírito Santo. Putos borbulhentos comentam “a crise” com o ar cansado de quem vê isto há muitos anos: corta-se a eito na saúde e na escola; já sabemos que chegue e somos mais do que o suficiente diz o meu “kota”... viste o Cristianinho na Disney?

Não há paciência nem para o bom nem para o mau, nem para o banco novo que é o novo banco, nem para o Pedro de férias, nem para o Paulo que desapareceu outra vez, raça de moço! Acabou-se a força para a Palestina e Israel, fujam daí diz-lhes o nosso desânimo... e de toda a maneira o que é feito das miúdas levadas pelos Boko Haran? Essas salvámos o mês passado, eu a mulher do Obama e o Tózé. Má fama na net, tão eficaz como uma resolução da ONU, mas muito mais moderno.

Havia de ser um sossego se não fosse nada connosco, se houvesse a possibilidade da negligência. Na rua adaptamo-nos ao passo vagaroso dos velhos e dos turistas, enquanto recalcamos o tom férreo dos “permanece a calma nos balcões do banco” que as máquinas repetem e repetem. Pois é, podíamos fazer melhor, sofrer caladinho não chega, o silêncio podia ser ainda mais gritante se nos esforçássemos só um bocadinho, não é? Já não precisamos de anedotas para engolir os sapos nem nada, é verdade, mas antigamente até agradecíamos: “Obrigado Senhor Professor”... é, no antigamente havia respeito, isto ainda era mais lindo do que é agora. O Zé da tabacaria admira-se quando compro dois diários, tens a certeza que queres saber? Que remédio temos nós Zé?

Morre-se-nos o Robin. No 1º toca uma banda de Coruche e o Ribeiro e Castro pela Restauração; no 2º desenhos animados; na SIC a Conceição Lino e o moço de Curral de Moinas cozem frango; na TVI a Shakira vende iogurte; o melhor programa na TV é a publicidade à mangueira que espicha, de longe!

As matronas das ilhas voltam da faina num ventinho de crioulo, baldes brancos e risota. O casal que oiço à noite grita muito mas não se bate: “Eu é que sou estúpido!” há sempre alguém que grita esta. A gata dos meus irmãos já me aceita festas sem bufar. A minha filha quis dar porrada num tiranete dos baloiços, foi preciso o avô agarrá-la. A sardinha diz que está boa este ano, eu não sei, eu é mais caracóis... e sim sim junte a continha do Ricardo, que nós depois logo acertamos.

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