Tiago Guedes, o artista em constante mutação que quer devolver a dança ao Porto

Cresceu em Minde, formou-se em Lisboa, conquistou a Europa e mudou-se agora para o Porto, onde até 2017 vai dirigir o novo Teatro Municipal da cidade. O coreógrafo, bailarino e programador Tiago Guedes critica a burocratização da Cultura e mostra-se preocupado com a saída de “cabeças pensantes” do país

Pedro Granadeiro/ nFACTOS
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Se há uma característica que define Tiago Guedes é o facto de “nunca querer ficar muito confortável” no sítio onde está. E essa particularidade pode ajudar a explicar um percurso de 14 anos de carreira aos 36 anos de idade e uma multiplicidade de funções significativa: Tiago Guedes o coreógrafo, o bailarino, o programador. Tiago Guedes o criador da Associação Materiais Diversos (e de um festival com o mesmo nome) e ex-director do Teatro Virgínia. Agora, Tiago Guedes o novo director artístico de uma “ferramenta de luxo” com grande “potencial de futuro” chamada Teatro Municipal do Porto. Foi lá que o P3 o encontrou, na primeira semana de trabalho na sua nova casa com vistas para a Baixa do Porto e uma difícil missão entre mãos: reconstruir o Rivoli e o Teatro do Campo Alegre e devolver-lhes o público entretanto desaparecido.

Foi sob boatos e suspeições de um concurso viciado que Tiago Guedes chegou à cidade. Mas esse é um assunto arrumado no qual o novo director artístico do Teatro Municipal do Porto não quer “mergulhar”: “Acredito que a partir do momento em que começar a trabalhar com as pessoas a polémica vai desvanecer-se completamente.” Os planos de Tiago Guedes para a cidade estão bem delineados na sua cabeça. Não confidencia, para já, nomes de artistas que vão passar pelo Porto, mas não esconde que quer devolver à cidade os públicos da dança e revela ideias de uma estrutura que vai construir nos próximos meses e que começa a mostrar-se a partir de 20 de Janeiro do próximo ano, quando a temporada abrir oficialmente (lê a entrevista completa no PÚBLICO).

Esta vida de mala às costas não lhe é estranha. Natural de Leiria e criado em Minde, Tiago Guedes fez-se bailarino na Escola Superior de Dança de Lisboa, para onde foi viver aos 18 anos. Mas a vida artística havia começado há muito. “Comecei a estudar de uma forma completamente orgânica aos seis anos. Não por vontade própria mas por vontades familiares.” Quando lhe disseram, aos 16 anos, que estava num grau de ensino já muito elevado e tinha de passar a estudar cinco ou seis horas por dia, recuou: “Achei que era muito novo para escolher a minha vida.” Foi aí que a dança surgiu, com um empurrão de um modelo de ensino piloto da sua escola secundária que, na via artística, tinha o teatro e a dança como disciplinas obrigatórias.

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A família — metade de artistas, metade de economistas puros — dividia-se entre o apoio incondicional e tentativas suaves de lhe mudar o rumo, sempre com "muito respeito" pelas decisões do "miúdo responsável e de boas notas". Entre as "muitas áreas" que lhe interessavam estava o curso de Comunicação Social, onde chegou a ser aceite e no qual compareceu uma vez: "O dia das praxes." O lado mais "hermético" da Escola de Dança precipitou uma entrada precoce no mercado de trabalho: Tiago foi bailarino da Companhia de Dança de Almada por duas temporadas e “barman” durante um ano no Lux, “no tempo em que o Lux estava aberto à tarde”. Depois apressou-se a aproveitar todas as oportunidades que havia para jovens na altura — e, “infelizmente, havia bem mais apoios na altura do que agora.”

O coreógrafo conta como encontrou o Rivoli na chegada ao Porto

Processos muito burocratizados

Tiago Guedes comenta o fenómeno da emigração jovem em Portugal

Estávamos em 2000 e “havia uma política cultural muito mais visível e muito mais parceira”. “Agora é uma coisa muito burocratizada e muito rarefeita, que é um ‘cocktail’ explosivo”, analisa o coreógrafo que vê a actual situação da área cultural portuguesa com “alguma preocupação”. Culpa da crise? “O grande problema não é a nível financeiro, é mesmo a nível da burocratização. Os processos tornaram-se de tal forma burocráticos que tu tens de ter pessoas nas equipas só para fazer a burocracia que, por exemplo, a DGArtes pede. Esse “policiamento” e clima de “suspeição” tem prejudicado a relação entre os agentes culturais e estruturas como a DGArtes, que Tiago Guedes gostava de ver com uma postura “mais operante e cooperante”.

Este cenário de crise — cultural, económica e social — estava bem espelhado em “Hoje”, a última peça que o coreógrafo apresentou, em 2013. Mas o “trabalho documental” não é um lugar comum nas suas criações: “[O meu trabalho] tem ‘links’ com a realidade e com o mundo mas há sempre um lado de abstratização dessa realidade”, explicou. Afastado da criação desde 2013, o coreógrafo garante não sentir falta desse lado: “Foram mudanças pessoais, nunca impostas. Para mim o que é interessante é eu efectivamente nunca me fartar, nunca me cansar do que estou a fazer.” O trabalho de Tiago Guedes é agora uma espécie de “meta-criação” — “convidar outros artistas, ter ideias, partilhá-las com outros e essas ideias serem desenvolvidas e transformadas. Acho isso muito mais interessante. Ser uma espécie de catalisador e alavanca para muitas outras coisas puderem acontecer à tua volta.”

É neste papel que iremos encontrar Tiago nos próximos três anos, período pelo qual tem contrato com a autarquia portuense, e muito provavelmente nos anos seguintes: “Estou a investir num tipo de trabalho que é a médio prazo. Não vejo isto como um projecto temporário mas também sei que não vou morrer nesta secretária”, sorri na primeira grande entrevista que deu enquanto director artístico do Teatro Municipal do Porto.

Foi este temperamento irrequieto e insatisfeito que já o levou a vários palcos internacionais, na Europa e fora dela, e à conquista de vários prémios. Em França, foi coreógrafo associado do Théâtre Le Vivat, no Norte do país, entre 2006 e 2008 — e foi lá que foi descobrir a sua veia de programador. Por estas experiências, o nomadismo de vida de artista parece-lhe “uma coisa muito boa”, sobretudo num país com uma “escala reduzida”, como Portugal, onde “há uma espécie de pendularidade entre Lisboa e Porto mas há pouco mundo à volta disso.” “Para mim foi muito importante [trabalhar fora]”, realça.

Coisa diferente é falar da “emigração forçada” à qual muitos jovens têm cedido actualmente. “Acho que daqui a uns anos não vais ter grande massa crítica de pessoas efectivamente com capacidades para levar as coisas para a frente. Estás a perder muitas cabeças pensantes e pessoas com muito valor que querem efectivamente pôr isso ao dispor de várias coisas que não estão a encontrar no país e então saem. Esse é um problema a médio prazo para o país.”

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