Call-Centrismo, a quanto obrigas

Entre estrangeirismos, falsas excelências e motivações fictícias, procura-se o espaço necessário para o call centrista se aperceber da sua condição, ganhar consciência de classe e organizar-se em prol de melhores condições de trabalho

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ainudil/ Flickr

O Call Centrismo – mundo que gira em torno da “chamada” – constitui hoje um dos mais importantes serviços de outsourcing internacional. De acordo com o ideal da competitividade, Portugal reúne as condições perfeitas para multinacionais especialistas na prestação deste difuso e abstracto serviço: políticas de desenvolvimento económico voltadas apenas para a optimização de lucros e contenção de custos de produção, isto é, desvalorização do trabalho e promoção da mão-de-obra barata.

Além dos baixos salários, a discriminação de que são alvo os operadores de telemarketing, faz com que sejam considerados os proletários do século XXI. Condições laborais precárias e trabalho automatizado assim o determinam, muito embora este novo proletariado se caracterize por ter, na sua maioria, formação superior. Apenas mais uma mais-valia para as empresas de contact-center que, à custa da crise, conseguem contratar bons profissionais ao preço da chuva. De qualquer modo, trata-se de trabalhadores com boas “skills”, pois mesmo quando não têm formação superior, têm anos de experiência, grande capacidade de aprendizagem e de adaptação - resultado da crónica falta de ofertas de emprego no país.

Dentro do call centrismo, exige-se um trabalho ao mais alto nível, e aplicam-se as retóricas da responsabilidade e da ética professional, camuflagens para a interiorização das normas e da linguagem, conveniente à empresa e inconveniente a quem trabalha. Ao mesmo tempo, apela-se à motivação e ao team spirit: há que ter motivação e ser capaz de construir e evoluir em equipa, pois só assim se atingem bons resultados! — Diria um qualquer team leader de uma dessas empresas. Motivação a troco do quê? — gostaríamos nós de saber. Tratam-se de formas de legitimar o poder por parte de quem domina sobre quem é dominado, como diria Gramsci. Cria-se a ilusão de que cada trabalhador é essencial e único, fazendo-o crer que é uma peça crucial do puzzle, mantendo-o, assim, motivado e sob controlo. Um controlo que, por sua vez, se perpetua com a vigilância exercida sobre a “performance” nas chamadas, ao nível do tempo médio de chamada, silêncios ou o não uso de formas de expressão negativas, muito ao estilo “life coaching principles”. Mas o trabalhador é envolvido num negócio onde é peça crucial na garantia do capital, mas sobre o qual pouco ou nada sabe. Tem de produzir, sem ter noção do quê ou para quem está ao certo a produzir.

Isto porque as empresas que fornecem serviços de outsourcing como o contact center, recorrem a vínculos laborais instáveis: contratação a termo, recibos verdes e trabalho temporário. Estas empresas têm vindo a contribuir para a generalização destes vínculos precários, com destaque para o trabalho temporário. A prática de recorrer a vínculos laborais diferenciados, para além de ajudar a cimentar a precariedade (flexisegurança, dirão), contribui para a fragmentação das relações no trabalho. Distinguir para espartilhar.

Entre estrangeirismos, falsas excelências e motivações fictícias, procura-se o espaço necessário para o call centrista se aperceber da sua condição, ganhar consciência de classe e organizar-se em prol de melhores condições de trabalho.

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