Cerca de 30 mil animais abandonados em 2013

Número duplicou desde 2008. Cavaco Silva promulgou diploma que criminaliza maus tratos e abandono de animais e devolveu-o ao Parlamento para publicação

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Ricardo Silva

As oito horas de trabalho estão a dez minutos de terminar para Rosa Teixeira. Vai agora recolher os cães para as celas mais abrigadas. Num corredor interior que liga as boxes feitas de grades de ferro há, junto a cada, um fio que mantém aberta uma porta para os animais passarem.

O Parque dos Bichos, o Centro de Recolha Oficial de Odivelas, está sobrelotado — como a grande maioria dos estabelecimentos congéneres, de norte a sul do país. Contactada pelo PÚBLICO, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) confirma que as taxas de abandono cresceram desde 2008. Nesse ano, tinham sido recolhidos pela totalidade dos canis/gatis do país 13.399 animais. Em 2013, foi mais do dobro: 29.645 cães e gatos. 

Os veterinários municipais de diferentes canis argumentam que esta situação é um reflexo da crise, mas notam que essa é também uma nova desculpa para muita gente — ocupando agora o lugar das alergias que os animais supostamente provocavam ou da agressividade que teriam.

O diploma que altera o Código Penal, criminalizando o mau trato e abandono de animais, foi aprovado em votação final no Parlamento no final de Julho e enviado para Belém a 5 de Agosto. O Presidente, Cavaco Silva, promulgou o diploma e já o devolveu à Assembleia da República, para ser publicado. Se isso acontecer até ao fim deste mês, a alteração legislativa entra em vigor a 1 de Outubro. Se só sair em Diário da República em Setembro, entrará em vigor a 1 de Novembro. A nova lei, pela qual houve uma petição com 41.511 assinaturas, prevê penas de prisão de seis meses ou multa de 60 dias (para quem abandone animais) até um ano ou multa de 120 dias (para quem maltrata) ou dois anos de prisão ou multa de 240 dias (se houver maus tratos e morte).

Alexandra Pereira, a veterinária responsável pelo canil de Sintra, o mais povoado da Grande Lisboa, com 250 cães e 90 gatos, sublinha que “são sempre mais os que entram do que aqueles que saem”. A responsável afirma que a crise trouxe mais animais e menos recursos. E explica que a sobrelotação de um canil “traz problemas gravíssimos”, de bem-estar animal e de saúde pública. “Está muito complicado: o número de animais aumenta diariamente e o de funcionários mantém-se.” Todos os dias mais bichos são deixados à porta do canil.  

Mudar mentalidades

As câmaras de Lisboa, Oeiras, Loures, Sintra, Montijo, Almada e Porto, contactadas pelo PÚBLICO, garantem que não houve cortes nos financiamentos. Mas os técnicos lembram que nos canis não abundam os medicamentos, coisa que se repercute desde logo no tratamento dos animais errantes.  

Para Rosa Teixeira, do Centro de Odivelas, o dia tinha começado cedo. De galochas verde-tropa nos pés e mangueira nas mãos, varre as celas com um jacto de água logo pelas oito horas. Em hora e meia, tudo fica limpo, com ração e água nas taças. 

Já na “zona suja” do canil, onde estão as arcas frigoríficas com os cadáveres dos animais mortos que são obrigatoriamente recolhidos e depois encaminhados para incineração, Rosa também fala da crise a propósito do aumento dos abandonos. “Muitos dos que aqui vêm tentar deixar o cão contam que perderam a casa e que não podem ficar com ele, ou que mudaram para uma habitação mais pequena, ou que nem sequer tecto têm”.

Maria Nabais, a veterinária municipal, diz que é difícil salvar os animais com poucos meios. No centro, que não recebe gatos, funciona também o Consultório Veterinário Municipal. “Com uma vertente infelizmente nada comum”, refere a médica, este gabinete presta assistência, por um preço módico, aos animais de famílias mais carenciadas. 

“Alguns colegas acusam-me de estar a fazer concorrência desleal às clínicas. Mas só vem ao consultório quem não pode pagar pelos tratamentos. É aqui ou não é”, justifica. Tem uma lista de espera de ano e meio para operações e só o básico pode ser feito, por falta de meios. “Somos muito criticados, mas, se não temos como tratar um animal, o que vamos fazer? Não o podemos deixar sofrer.” 

Veterinária há 23 anos, diz que lhe custa sempre eutanasiar um animal, como se fosse a primeira vez, frisando que só equaciona o abate quando não tem outra solução. E lamenta que “muitos profissionais ainda usem a eutanásia como método de trabalho e não de recurso”.

Outros veterinários municipais, nomeadamente em Almada e no Montijo, têm uma leitura semelhante e defendem que é necessário mudar mentalidades para que os animais sejam devidamente tratados.

Apesar de trabalhar nas modernas instalações do canil de Sintra, Alexandra Pereira descreve assim o estado em que os cães ficam ao serem fechados: “Muitos desistem de viver, automutilam-se, lutam entre si, deixam de comer e ficam doentes. E assim ninguém quer adoptá-los. Vão ficando cada vez mais tempo e cada vez mais em baixo. É uma bola de neve.” Não chegam doentes, mas acabam por ficar, e é então que surge o “último recurso”.  

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