Cirurgias plásticas em cães estão a aumentar (mas não são um “luxo”)

No Reino Unido, o número de cirurgias estéticas em cães aumentou 80% nos últimos quatro anos. Tratamentos são muitas vezes uma “necessidade”, e não um “luxo”. Mas foi a “selecção artificial” dos bichos feita pelos humanos que nos trouxe a isto

Tobias Schwarz/ Reuters
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O número de operações para remover o excesso de pele em cães aumentou mais de 80% nos últimos quatro anos, passando, no Reino Unido, de uma média de 30 cirurgias há cinco anos para 260 no ano transacto. Mas estes facelifts não resultam de uma preocupação estética: veterinários do Royal Veterinary College dizem que, sem cirurgia, alguns animais podem ficar cegos ou até morrer, por ficarem com as vias aéreas obstruídas. A popularidade das raças designadas braquicefálicas (animais com focinho muito curto), como o Bulldog Francês, o Pug ou o Shih Tzu, “tem aumentado imenso em todos os países europeus” e tornado o tipo de cirurgias acima descritas mais comuns. É que a selecção propositada de certas características que agradavam esteticamente aos criadores revelaram ter graves “repercussões a nível de saúde animal”.

Rui Onça, secretário-geral da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia, tem alguma relutância em designar este tipo de intervenções como “estéticas”. “O tratamento cirúrgico realizado precocemente é considerado por alguns como cirurgia plástica (tipo facelifts ou correcção de pálpebras). No entanto, trata-se de tratamentos que não são um luxo, são uma necessidade.” É também nesse sentido que vai a opinião do médico veterinário Gert ter Haar, do Royal Veterinary College: “Encontramos em alguns animais um excesso de pele que pode causar infecções graves. Pode causar cegueira e, se as dobras cobrirem o nariz, podem fazer com que o animal não consiga respirar. Nós não fazemos estas operações a menos que haja uma razão médica para isso”, disse ao The Telegraph.

Foi nos anos 50 que a canicultura começou a introduzir na criação de animais características morfológicas que vieram a revelar-se prejudiciais. “Este é claramente um problema ligado à selecção artificial sobre as raças. Foram introduzidos padrões estéticos e com eles vêm associados problemas de saúde”, explica o médico veterinário Nuno Proença, do Hospital Veterinário do Porto. Rui Gonçalves, da Comissão Técnica do Clube Português de Canicultura, concorda: “[Nos anos 50,] tudo era adjectivado no exagero — cabeças grandes, olhos grandes — e isso levou realmente a alguns problemas de saúde”, lamenta. Esta tendência já começou a ser invertida: de há “cinco, seis anos” a esta parte que as entidades cinófilas internacionais estão a introduzir padrões para alterar o actual panorama. Resultados visíveis? “Estas coisas estão escritas, mas só surtem efeitos três ou quatro gerações depois”, respondeu o médico veterinário Rui Gonçalves.

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Raças designadas braquicefálicas, tais como o Shih Tzu, são cada vez mais populares Keith Bedford/ Reuters

Há, no entanto, alterações que já foram feitas. O Shar Pei, por exemplo, que é manipulado geneticamente através da introdução de uma proteína para que a pele enrugue, já não é premiado em concursos se em adulto tiver excesso de rugas. O diminuto espaço entre os ossos do crânio do Chihuahua, o cão mais pequeno do mundo, deixou de ser considerado uma qualidade. A criação do Bulldog Inglês foi alterada para que o espaço entre os olhos e o nariz aumentasse e a função respiratória fosse melhorada. “Há uma sensibilização da opinião pública, da classe veterinária e da canicultura para o tema”, acredita Rui Gonçalves.

Maria de Fátima Costa, da Sociedade Protectora dos Animais do Porto, não tem dúvidas de o “boom” de cães de raças braquicefálicas é “uma moda”: “São animais queridos e giros. E depois a actriz tal tem um... É uma questão de moda”, lamenta. Nesta instituição, “60% dos animais [que chegam para serem vistos na clínica veterinária] são de raça indeterminada, mas há cada vez mais gente a ter animais de raça”. E são esses que as pessoas mais desejam: “Algumas pessoas vêm perguntar se temos desses animais. Mesmo por telefone é a pergunta que mais nos fazem. Isto sem se preocuparem sequer se são os mais indicados para elas.”

O Royal Veterinary College também relaciona o aumento da procura destes animais com o facto de as celebridades os exibirem em redes sociais e revistas cor-de-rosa: “Estamos a tratar muitos Pugs porque eles são muito populares entre as celebridades. Houve um aumento drástico do número destes animais nos últimos cinco anos. Estamos a tratar oito vezes mais Pugs do que há cinco anos”, disse Gert ter Haar ao jornal britânico. Em Portugal, as únicas cirurgias consideradas estéticas são o corte das orelhas e da cauda — e essas estão legalmente proibidas pela União Europeia desde 2011 e foram, antes disso, desincentivadas pelo Clube Português de Canicultura que, a partir de 2009, deixou de aceitar em concursos animais com essas alterações. Também os seguros de saúde para animais não compactuam com essas práticas e só incluem nos pacotes cirurgias consideradas vitais para a qualidade de vida do animal.

Realidade diferente é a norte-americana, onde as intervenções estéticas passam por abdominoplastias, implantes de ouvido, aplicações de botox ou próteses de silicone de testículos. Em 2013, uma empresa de seguros de saúde animal revelava que o número de cirurgias plásticas em animais estava a aumentar, tendo sido gastos, em 2012, 62 milhões de dólares para esse fim. “Os americanos têm uma escola de incentivo à esterilização e o que acontece é que muitos donos sentiam que os cães ficavam menos bonitos. Não vejo que seja um problema, mas é claramente uma questão estética”, comenta Rui Gonçalves, a propósitos dos implantes de silicone nos testículos de cães. Na sua clínica, já teve uma solicitação deste género, mas “não é frequente” — “mesmo porque cada testículo anda à volta dos 100 e poucos euros.”

É, efectivamente, a “vaidade humana” que está na origem destes problemas animais — que estão agora a tentar ser revertidos. “Há raças que estão na moda num determinado tempo e que depois ficam no esquecimento. Normalmente essas raças pagam o preço desse ‘boom’ criado com poucos escrúpulos. Os braquicéfalos “estão agora a pagar pelo aspecto caricato e algo semelhante aos humanos que lhes foi impingido.”

Notícia actualizada às 22h17 do dia 21 de Agosto

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