Cerveteca, uma ode à cerveja artesanal

Fica desde já o aviso: “Aqui quem manda é a cerveja artesanal e não queremos ter nada que lhe retire muito o protagonismo”, afiança Rui Matias, produtor caseiro, aficionado, barman e dono da nova Cerveteca, em Lisboa

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Miguel Manso

Neste novo bar/loja lisboeta não há, mesmo, outra bebida alcoólica à venda, nem sequer a cerveja industrial a que estamos habituados (até os refrescos são feitos ali, para que tudo mantenha o cunho artesanal). No entanto, fica também a garantia: dificilmente sairá desta quina da Praça das Flores a dizer que não gosta de cerveja.

“Há muito desconhecimento e as pessoas acabam por tratá-la um bocado mal, porque provaram uma lager das que existem no mercado e não gostaram, mas há muitos estilos de cerveja”, defende Rui, apontando para um dos posters que enfeitam as paredes da sua Cerveteca: das duas grandes famílias de cerveja — as lager (“tipo alemão, mais clarinhas e transparentes”) e as ale (“tipo inglês, turvas e encorpadas”) — nascem centenas de ramificações e sub-ramificações.

Para os menos entendidos ou apreciadores, o menu começa também ele com duas páginas que resumem os diferentes géneros. Depois, o atendimento personalizado procura convencer até os mais cépticos. “Tentamos perceber o que é que gostam de comer e de que outras bebidas gostam para tentar chegar àquela cerveja que os vai fazer mudar de ideias. É muito giro converter pessoas”, confessa Rui, garantindo que “o normal é provarem três e encontrarem duas de que gostem”. As mais adocicadas, como a de frutos vermelhos Fruitesse (Liefmans), a Triple Karmeliet (Bosteels) ou mesmo a de sete flores Blossom (Mikkeller) são daquelas que “funcionam quase sempre”.

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Miguel Manso

Mas existe um rol sem fim de sabores e combinações. Na estante de madeira que ocupa a parede principal, qual altar à cerveja artesanal, já são quase 100 as diferentes garrafas de rótulos coloridos. À direita, as marcas portuguesas (Mean Sardine, Letra e Lx Sant’Ana), tudo o resto importado, para já de países europeus (trazer dos Estados Unidos, “a meca”, implica um processo logístico e burocrático “muito mais difícil”).

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Há belgas, abadias, dark ales, lagers, pilsners, american pale ales, indian pale ales, dunkels, weissbiers, stouts, imperial stouts, porters, barleywines, california ales, envelhecidas em barris de whisky ou de champanhe e aromatizadas com manga, favos de cacau, baunilha, especiarias, frutos vermelhos, flores, sal, chili ou malte fumado. Até há cerveja para quem for intolerante ao glúten, para beber durante o brunch (vai haver manhãs de brunch com panquecas e cerveja lá mais para o Outono) ou com 35% de álcool (“uns frasquinhos do veneno, com sabor entre cerveja e brandy”).

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E no meio de tanta opção está o top de Rui: Punk IPA (BrewDog), Alive and Kicking (De Molen), Blossom (Mikkeller), Amura (Mean Sardine) e Rochefort 10. (Curiosamente o que não existe de momento é cerveja sem álcool, a com menor teor tem 2,4%.) “Queremos ter o máximo de estilos possíveis e todos de muita qualidade”, conta o responsável. Depois, o objectivo passa também por ir evoluindo de acordo com a extensa oferta no mercado (existem milhares de cervejeiras artesanais, algumas marcas com mais de cem receitas diferentes, outras que são feitas uma única vez) e acompanhar de alguma forma as estações do ano. “Ter cerveja de abóbora e de Outono a partir de Outubro, depois a de Natal e de Inverno, porque são feitas e aromatizadas com produtos diferentes.” Quando a coluna de cerveja à pressão estiver a funcionar, uma das dez torneiras também servirá um barril diferente todas as semanas.

Rui Matias, 35 anos, viveu 12 fora de Portugal, dois deles em Barcelona, “uma cidade onde há um movimento cervejeiro muito grande, com dezenas de cervejarias e feiras”. Foi lá que ganhou a paixão pelas birras artesanais e desde o ano passado que se dedica a fazê-las em casa, apenas para ele e amigos. “Costumo dizer que sou um mau cervejeiro, faço cerveja péssima, por isso dedico-me a vender a de quem sabe”, sorri. Há cerca de um mês e meio abriu a Cerveteca. “É uma coisa de que gosto muito e acho que a cerveja artesanal portuguesa está a crescer, por isso fazia sentido criar um espaço que juntasse aficionados e que, por outro lado, permitisse dar a conhecer a cerveja artesanal ao maior número de pessoas possível.” “O que nós gostávamos era que as pessoas viessem cá e ficassem a perceber por que uma cerveja é mais amarga ou escura que outra, a reconhecer as diferenças e, no fundo, que descobrissem um pouco mais o mundo da cerveja.”

E tudo aqui existe para que se saia, se não um especialista, pelo menos um interessado. Os tampos das mesas são forrados a malte e flores de lúpulos (ingredientes base da cerveja); os bancos são forrados a sacos de serapilheira que nos anos 1950 serviram para transportar cevada (da qual é feita o malte) e café; os candeeiros ora são garrafas ora copos de cerveja; dois livros já compõem a minibiblioteca que há-de ali nascer dedicada ao tema. Para já, há apenas frutos secos (oferta) e conservas para acompanhar, mas em breve também haverá pipocas aromatizadas de acordo com a bebida pedida, cerveja preta com bola de gelado, snacks pensados para acompanhar certos géneros de cerveja e, depois, workshops de prova e produção caseira, tertúlias sobre o tema e, no site, uma lista de receitas de cozinha à base de cerveja para experimentar em casa (como o bar não tem cozinha, não podem ser ali confeccionadas).

“Isto é um bocadinho um sonho meu e, por isso, gosto de tratar tudo como uma casa e uma família”, conta Rui, perdendo-se em histórias sobre cervejeiros e aventuras no encalço de novos bares e sabores, assumindo-se “um freaky” da cerveja artesanal. “O que eu gostava era de democratizar a cerveja”, idealiza, defendendo existir “uma cerveja para cada pessoa”. Basta ir lá tentar encontrá-la.

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