Este casal deixou o marketing para criar um hostel (porque “trabalhar feliz é diferente”)

Em Cascais há um hostel que está no topo das preferências de turistas de todo o mundo. No Lisbon Perfect Spot, descobrimos a história de Rita e João, um casal que decidiu mudar radicalmente de vida após uma viagem a Bali

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Enric Vives-Rubio

Fartos da vida que levavam, Rita Duarte e João Almeida juntaram os dias de férias que tinham acumulado em anos de trabalho “stressante” e rumaram a Bali, na Indonésia, para “pensar no que queriam fazer da vida”. Naquela ilha do Pacífico deu-se o ‘clique’. Voltaram para Portugal sem saberem muito bem o que fazer, mas com uma certeza: “Vamos fazer algo por nós”. Este é o início da história do Lisbon Perfect Spot, um hostel em Cascais, aberto em Julho do ano passado, que reúne das classificações mais elevadas em sites de reservas online como o Booking (9,6/10), Tripadvisor (100%) e Hostelworld (96%).

Rita, de 33 anos, e João, de 30, passavam 12 horas por dia, em frente a computadores, a planear e a desenhar campanhas publicitárias e de marketing na área social. Se por um lado, o facto de fazerem “campanhas de angariação de fundos na área social” os satisfazia, faltava-lhes “o contacto com as pessoas”.

A viagem a Bali tinha um objectivo claro: pensarem no que queriam fazer. “Naquela empresa não queríamos ficar”, contou Rita ao P3. Uma das opções ponderada pelo casal, mas colocada logo em último lugar, seria emigrarem. Não por lhes faltar espírito de aventura, mas por adorarem o país onde nasceram.

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Em Bali, ficaram alojados num surf camp, cujo dono um dia decidiu mudar de vida. O surf camp tinha aberto há cinco anos, na mesma altura em que Rita e João entraram para a empresa onde trabalhavam. “Foi aí que pusemos as coisas mesmo em perspectiva”, disse João. Em cinco anos, João e Rita tinham “mais cabelos brancos”, ele estava “mais gordo”, ela “mais stressada” e ambos surfavam “cada vez menos”. O dono do surf camp geria agora um espaço com 40 camas, tinha uma equipa a trabalhar com ele e surfava todos os dias. “Levava uma vida bacana”.

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Rita e João regressaram a Portugal com “vontade de mudar”. “Não sabíamos o que íamos fazer. Só decidimos que íamos fazer algo por nós. Sempre quisemos ter o nosso próprio negócio, porque não começar já?”, referiu Rita. À vontade que tinham aliou-se a “oportunidade perfeita”, já que a empresa onde trabalhavam “estava a reduzir custos”. “O João era designer e eles achavam que podiam passá-lo para colaborador. Estamos juntos há oito anos e sempre trabalhámos juntos. Se ele sai eu também vou. Vamos construir uma coisa para os dois”, recordou Rita. E assim foi.

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Enric Vives-Rubio

Depois “foi tudo natural”. A avó de João tinha um prédio antigo na Parede, na linha de Cascais, que poderia ser recuperado pelo casal, surgindo aí a ideia de abrirem um hostel, até porque, há dois anos “o Turismo era o que estava em crescimento”. Delinear o projecto e o plano de negócio foi relativamente fácil, já que Rita tinha “bastantes noções”, ganhas durante o curso e os anos a trabalhar na área de Marketing.

Para limar arestas, na parte burocrática, tiveram a ajuda “fundamental” da DNA Cascais [agência municipal dedicada ao empreendedorismo]. Quando começaram a fazer contas, o prédio da Parede ficou posto de parte, já que “precisava de valentes obras” e o casal não tinha o capital necessário para investir. Era preciso fazer um empréstimo ao banco, e Rita e João queriam “evitá-lo a todo o custo”. A localização do prédio também “não era a melhor” e, com a noção de que “poderiam aparecer outros hosteis”, queriam “estar no sítio perfeito”.

Depois de “três meses de procura intensa”, apaixonaram-se por uma vivenda, “abandonada há três anos”, da qual perceberam o potencial e que quiseram arrendar de imediato. A casa é um hostel, mas também o lar de Rita e João, pelo menos nos primeiros anos. O casal vive numa zona que lhes permite ter privacidade, apesar de chegarem a partilhar a vivenda com 20 pessoas. A mudança de vida acabou por obrigá-los a trabalhar mais horas do que dantes, “mas é bom”. Agora, até gostam mais “de estar a passar a esfregona no chão, a cortar relva ou a acartar coisas do que estar ao computador”.

No primeiro ano de funcionamento do hostel, faziam tudo sozinhos. Este ano já têm duas ajudantes. Foi um ano de “muito esforço”, para se inteirarem “de como funciona a área da hotelaria”. “Às vezes o mais difícil é esta gestão de tempo e de tarefas, é muita coisa ao mesmo tempo”, admitiu Rita, que, em conjunto com João, trata da “comunicação, administração e manutenção” do negócio. Com tanto para fazer acabaram por descurar algumas coisas, como a divulgação no Facebook, já que estavam “muito focados nos hóspedes e na casa, em estar tudo perfeito para eles”. Mas acreditam que fizeram a opção certa e que, “se calhar por isso”, atingiram classificações tão altas nos sites de reservas, até porque, neste negócio, “o boca a boca é que conta”. Por ali já passaram pessoas, a viajar há vários meses, que reservaram três dias e acabar por ficar um mês e meio.

Há a história do italiano que foi a Itália, ao casamento do melhor amigo, e voltou logo a seguir, acabando por passar no Perfect Spot o mês todo de Agosto. Em Junho, um rapaz “pediu para dormir no sofá porque queria muito ficar 15 dias e havia duas noites em que não tinha cama”. O hostel tem três quartos privados, para duas ou três pessoas, e dois partilhados, um para quatro pessoas e outro para oito, e “atendimento “personalizado”. “Gostamos de explicar às pessoas onde estão, o que podem fazer, aconselhamos locais. Aquilo que quando fomos de férias sentimos que faltou, tentamos dar às pessoas”, garantem.

Apesar das muitas horas de trabalho e de não terem descanso, “trabalhar feliz é muito diferente”. Quando se lhes pergunta se a mudança de vida valeu a pena, não hesitam: “claro”. Embora haja na casa um sótão livre, que lhes permitiria duplicar ao número de camas, Rita e João gostavam “de manter as coisas mais familiares”, de modo a fazer com que os hóspedes continuem a “sentir-se em casa”. Faturariam mais, mas não se meteram nisto “só pelo dinheiro, até porque não é um negócio milionário”. Fazem-no pelas “pessoas fantásticas” que conhecem e lhes dão “vontade de continuar”, mesmo que, para já, o tempo para surfar ainda não seja muito.

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