Um Óscar do filme “Gravidade” tem a mão deste português

Já destruiu o Museu do Louvre e criou elementos que flutuam no espaço, com gravidade zero. Duarte Victorino, 29 anos, é director técnico de efeitos visuais e o Óscar desta categoria que “Gravidade” venceu, em 2014, também representa o seu trabalho

Quem terminou de ver os créditos do filme “Gravidade” (Alfonso Cuarón, 2013) encontrou pelo menos um nome português na parte correspondente aos efeitos visuais. Duarte Victorino foi uma das cerca de 500 pessoas que trabalharam no filme, protagonizado por Sandra Bullock e George Clooney e vencedor de sete Óscares em 2014. O português integrou uma das equipas responsáveis pelos (muitos) efeitos visuais de “Gravidade”, pelo que o Óscar da categoria, recebido por Tim Webber, Chris Lawrence, David Shirk e Neil Corbould, representa também o seu trabalho. “A nível pessoal, significa o reconhecimento pelo meu trabalho, mas acho que só quando, um dia, o meu nome estiver inscrito num Óscar terei a sensação autêntica”, disse ao P3, em entrevista, o jovem licenciado em Design Industrial.

A viver em Londres, no Reino Unido, desde 2009, Duarte Victorino trabalha com uma empresa, a Framestore, muitas vezes requisitada por produtoras de cinema para, numa fase final dos filmes, desenvolver os efeitos visuais. Foi nesta fase que o lisboeta de 29 anos trabalhou no “Gravidade”, durante cerca de três meses, em “vários elementos de destruição” — área na qual se tem vindo a especializar, um pouco por acaso e graças aos filmes nos quais tem trabalhado (“Prometheus”, “Lincoln”, “No limite do amanhã”, “Batalha do Pacífico” e “John Carter” são alguns da já longa lista).

Em “Gravidade” não faltam estilhaços de vidro, que se espalham pelo espaço ao longo dos vários acidentes que vão acontecendo a Ryan Stone (Bullock) e Matt Kowalski (Clooney), e muitos têm a mão de Duarte, que também contribuiu para a criação de elementos que flutuam. Este nem sequer foi o filme que lhe ocupou mais horas, mas foi sem dúvida o mais premiado. Além do Óscar, a mesma equipa venceu ainda um Bafta e um prémio da especialidade atribuído pela Visual Effects Society.

Enquanto está em curso o processo de criação destes efeitos, os técnicos não têm a noção da forma como o seu trabalho vai ser enquadrado e percepcionado pelo público. Têm de seguir as indicações e usar a imaginação, em dias de trabalho “que nunca têm menos de dez horas”, garante Duarte. “A pressão é brutal em Londres, é uma cidade muito competitiva. Se tu não quiseres fazer aquilo há outra pessoa que quer.”


Harry Potter e os Talismãs da Morte (Parte II)” foi a primeira grande produção da qual fez parte — e logo numa série de filmes “totalmente criada em Inglaterra, com um grande número de efeitos visuais e muito acarinhada pelas pessoas”. Estava “muito assustado” quando começou o contrato, mas a ajuda dos colegas foi fundamental. “Lembro-me bem da primeira vez em que fui ao cinema ver um filme que fiz, o ‘Harry Potter...’, e do momento em que o filme acabou e esperei pelos créditos para ver o meu nome. Foi, de facto, uma emoção. É único, senti-me parte de algo muito grande. Apesar de não termos um contacto directo com os milhões que aquilo envolve, fazermos parte de uma equipa gigante. O cinema ganha uma nova dimensão”, confessa.

Lucasfilm, um sonho de infância

A trabalhar na indústria cinematográfica desde 2010, a formação superior de Duarte é em Design Industrial pelo IADE, em Lisboa. Começou por trabalhar em visualização de arquitectura, ainda em Portugal, mas o 3D e os efeitos visuais afiguravam-se-lhe cada vez mais interessantes, razão pela qual se inscreveu num curso intensivo de 12 semanas do Escape Studios, em Londres. Mudou-se para a capital inglesa com a namorada, em 2009, e aí aprendeu, “se calhar, tudo o que não podia ter aprendido em mais lado nenhum”.

Desde então já teve de se mudar para Singapura durante um ano, para trabalhar na Industrial Light & Magic (ILM), empresa responsável pelos efeitos visuais da produtora Lucasfilm, de George Lucas. “O sonho máximo da minha vida era trabalhar lá”, revela o jovem, que pôde privar com “pessoas que já lá estavam há 25 e 30 anos” e que fizeram os “Star Wars” e o “Indiana Jones”, “pioneiros nesta área”.

Foi em Singapura que se dedicou a “Batalha do Pacífico”, um dos filmes favoritos da lista daqueles em que trabalhou, sobretudo pelo contacto com a Lucasfilms e pelo número de cenas e elementos que desenvolveu. Lado a lado está “No limite do amanhã”: “A nível técnico foi dos filmes com mais dificuldade em que trabalhei”. Aqui, Duarte destruiu e fez explodir o Museu do Louvre, em Paris, numa cena que implicou “muito sofrimento”. “O que se vê no filme tem tantos elementos e tantas camadas, para dar realismo e para o espectador se sentir integrado, que se não existisse o vidro pequenino [da pirâmide do Louvre] qualquer pessoa perceberia que faltava algo”, explica.

O gosto pelo cinema foi “crescendo nos últimos anos, sem dúvida”. De passatempo passou para trabalho “quase inatingível e mágico”. Daí surge o “encanto em fazer parte da indústria”, diz. “Trabalho com pessoas que são apaixonadíssimas por cinema — e estas coisas pegam-se”, brinca. Depois de uma temporada em Portugal, Duarte Victorino vai regressar a Londres, “possivelmente à Framestore, mas ainda sem certezas”. Regressar de vez a ao país natal está fora de questão. “O que eu faço em Portugal não existe.”

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