Passive House: casas amigas do ambiente (e de quem as habita)

Conceito de construção sustentável permite poupanças de energia de 75% e promete ganhos na saúde dos habitantes. Em Portugal há dois edifícios certificados, em Ílhavo, e em breve duas autarquias vão apadrinhar o conceito

Foto
Adriano Miranda

Imagina que andas em busca de um carro e que, de repente, em vez dos habituais gastos de cinco ou seis litros aos 100 quilómetros encontras um veículo que gasta 1,5 litros e que custa, no máximo, mais 5%. João Marcelino dá o exemplo para fazer um paralelismo com a opção entre construir um edifício que não obedeça ao conceito Passive House ou um que siga as normas deste modelo de construção sustentável. “É a esse nível que temos de pensar”, defende o arquitecto fundador da Associação Passivhaus Portugal, que teve as duas primeiras certificações em Ílhavo.

O conceito — criado na Alemanha no final dos anos 80 e com mais de 55 mil edifícios certificados em todo o mundo — tem crescido de forma significativa na Ásia, América do Norte e Europa, com Portugal incluído. Ter uma Passive House significa ter um edifício “com elevados níveis de conforto e com baixos consumos energéticos” — e é também uma “questão de saúde”, assevera o arquitecto João Gavião, que criou com João Marcelino a Homegrid, empresa de construção que tem no seu ADN a sustentabilidade.

Vamos por partes. No interior de um edifício construído sob este conceito, as poupanças energéticas relativamente às conseguidas com as práticas actuais andam na ordem dos 75% — podendo chegar aos 90% em casas reabilitadas, onde as normas de construção impostas eram mais primitivas. Uma Passive House tem uma temperatura uniforme ao longo de todo o ano (nunca baixa dos 20 graus e nunca ultrapassa os 25), apresenta emissões de CO2 bastante reduzidas, mantém a humidade do ar em níveis adequados, garante um controlo dos níveis de radão (um gás nobre), entre outras vantagens.

Foto
O escritório dos arquitectos João Gavião e João Marcelino será reabilitado ainda este ano Adriano Miranda

O interesse de João Gavião e João Marcelino pela questão da sustentabilidade vem de longe. Foi esse “bichinho” que os fez correr atrás de uma solução que os ajudasse a “desenvolver edifícios com grande desempenho, não só na vertente energética mas também hídrica”, e os levou até à Alemanha e a este conceito construtivo. Em Portugal, os arquitectos encontravam projectos “muito maus” do ponto de vista da sustentabilidade — e esta questão “vai muito além daquilo que as pessoas se apercebem à primeira vista”, alertam. “Somos o país da Europa onde mais se morre por falta de conforto nos edifícios, somos dos países com pior qualidade do ar interior não só em residências mas também em escolas e escritórios, com todos os impactos que isto provoca”, lamenta João Marcelino.

Foto
As casas de ílhavo são monitorizadas constantemente Adriano Miranda

Ao mesmo preço agora, mais barato no futuro

Foto
Os arquitectos João Gavião e João Marcelino querem fazer edifícios Passive House a preços correntes Adriano Miranda

Actualmente, o “mantra” da empresa com sede em Ílhavo é “construir ao mesmo preço” do mercado mas os objectivos futuros são ainda mais ambiciosos, diz João Marcelino: “Possivelmente, daqui a três ou quatro anos, é possível que estas casas fiquem mais baratas que as construções nacionais. E aí é só vantagens.”

Para ser uma Passive House o edifício tem de obedecer a cinco princípios básicos, que são válidos e aplicados a qualquer clima: ter bons níveis de isolamento térmico, ter janelas e portas de excelente qualidade, evitar pontes térmicas, garantir que o edifício é estanque ao ar, ou seja que não é permeável a trocas de ar com o exterior, e definir um sistema de ventilação com recuperação de calor.

Para conseguir cumprir estes requisitos, “há que ter em linha de conta os factores básicos da arquitectura solar passiva, a orientação [do edifício], para saber onde está a energia gratuita, saber onde abrir os vãos”, exemplifica Marcelino. É neste “saber fazer” que a Associação Passivhaus Portugal também trabalha: “Damos formação a arquitectos, engenheiros e técnicos e passamos a mensagem de que é possível fazer estas alterações a preços correntes”, conta João Gavião.

A ideia é “implementar uma nova maneira de trabalhar”, onde a sectorização deixe de fazer sentido. “Antes de executar tenho de pensar no todo e não aquela filosofia de que há um arquitecto que faz o desenho, depois há um engenheiro de estruturas que faz o projecto de estruturas e por aí fora. Há uma integração e um objectivo comum logo na fase inicial que é dar conforto ao edifício”, explica. João Marcelino realça a necessidade de aproveitar melhor os diferentes conhecimentos das diferentes áreas: “Há um instalador que brinca comigo e diz que no papel cabe sempre tudo. O problema é que na obra não cabe e dá asneira. É assim de Norte a Sul do país”, conta para defender que “as pessoas que estão nas obras têm também um ‘know-how’ que tem de ser aproveitado”.

Os primeiros casos portugueses

O processo de construção das duas moradias de Ílhavo, as primeiras a receberem certificação em Portugal, iniciou-se há já quatro anos e, ao contrário do desejado, os arquitectos pegaram num projecto concluído. Ainda assim, as alterações feitas nas casas, habitadas há um ano e meio, foram mais do que suficientes para que os objectivos definidos fossem alcançados: “Em termos de consumo de energia estão a consumir ainda menos do que estava estimado.”

Ainda este ano, dois municípios (cujos nomes os arquitectos ainda não querem revelar) vão adoptar esta norma de construção nos regulamentos municipais, dando “vantagens no IMI, redução das taxas municipais e outros benefícios a quem construir Passive Pouse”. “É um sinal de que há consciência de que é este o caminho”, acredita João Marcelino.

Exactamente para dar o exemplo, os arquitectos da Homegrid querem, até ao final do ano, ter o escritório onde trabalham reabilitado segundo estas normas. “Uma das coisas que notávamos era que nos dias de Verão ou nos dias de Inverno o escritório era desconfortável e o nosso rendimento não era o mesmo. Há vários estudos a nível mundial que conseguem comprovar que não conseguimos ter o mesmo rendimento de outros países porque não temos edifícios com conforto. Decidimos rapidamente que iríamos reabilitar este espaço para o primeiro escritório Passive House em Portugal”, explica.

Para já, estão a ser desenvolvidos mais três projectos que assentam neste conceito: uma unidade de alojamento local na Costa Nova, uma moradia "low cost" no centro de Aveiro, que promete ter um preço não superior a construções que obedecem às normas vigentes, e um centro canino na Serra da Estrela, no concelho de Gouveia.

Sugerir correcção
Comentar