O necessário vai deixar de ser preciso

Devemos reestruturar o diagnóstico clínico dos portugueses, para que um só doente possa absorver as doenças de outros, evitando a dispersão de cancros e reduzindo, assim, o número de utentes do SNS para menos do que o necessário

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Eddie Keogh/Reuters

O Ministério da Educação teve uma ideia para 2015: atribuir prémios monetários às autarquias que usem, nas escolas, menos professores do que o considerado necessário. O valor do prémio tem uma aritmética simples: por cada professor necessário não usado, a autarquia recebe 50% do que esse professor custaria ao Estado. A única limitação é não se poder abdicar de mais de 5% desses professores necessários.

Um exemplo prático. Se uma escola provar que precisa de cinquenta professores, a autarquia pode abdicar de 2,5 deles (5%). Se estes 2,5 professores custarem, em conjunto, 40.000€ por ano, a autarquia amealha 20.000€ e o Governo poupa 20.000€, deixando uns alunos sem professor e outros com apenas meio professor (para mim, a metade que deve ficar a leccionar é a de baixo, porque sempre é menos uma boca para alimentar).

Basicamente, uma autarquia que impeça um estabelecimento de ensino de funcionar devidamente recebe, como recompensa, um cheque chorudo e ainda ajuda o Governo a poupar uns trocos.

É uma questão de eficiência, reclama o Ministério. Mas, em muitas autarquias, a ineficiência não está apenas nas escolas. Está também nos estádios do Euro 2004. Por exemplo, Leiria. Porque não mandar embora todos os professores necessários, à excepção de um, que passaria a dar as aulas a todos os pupilos do município, no anfiteatro de 23.000 pessoas que é o Estádio Dr. Magalhães Pessoa? Matam-se dois coelhos, de uma cajadada só.

Nuno Crato não quer que a medida prejudique o ensino, por isso, se os resultados escolares piorarem no final do ano, as autarquias não vêem cachet nenhum (castigo!). Segundo sei, alarmadas, as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia já estão a trabalhar em planos de contingência para evitar que os alunos tenham más notas. Não podendo, é claro, recorrer aos professores, serão destacadas patrulhas da PSP e da Protecção Civil para, durante o ano lectivo, buscarem os desertores de deveres escolares, desde preguiçosos com trabalhos de casa em atraso, a gandins com faltas a mais.

Eu acho que está tudo muito bem e acho que não devemos ficar por aqui:

i) devemos usar, na Assembleia da República, menos deputados do que o necessário;

ii) devemos reestruturar o diagnóstico clínico dos portugueses, para que um só doente possa absorver as doenças de outros, evitando a dispersão de cancros e reduzindo, assim, o número de utentes do SNS para menos do que o necessário;

iii) devemos beber, durante o telejornal, mais álcool do que o necessário.

Entretanto, vou só ali dar um tiro no pé e, com sorte, ao olhar para baixo ainda encontro 10 euros no chão.

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