Immunity, onde mora a vulnerabilidade

Conseguiu afundar a audiência num estado hipnótico, cujo mergulho levou a margens deep que o techno não ouvia há muito. E como poderia, se, entre linhas de piano e suspiros, saem puxões sintetizados que desconstroem 300 almas em pé? ?

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Ter um compasso próprio. Uma pulsação que ora acelera, ora acalma à memória de impulsos que os sentidos dizem só teus. Essas camadas que como a pele te fazem um ser vulnerável a tudo o resto, são as mesmas onde Jon Hopkins tocou e sob as quais procurou trabalhar, acuradamente, até fazer crescer o gigante “Immunity”.?

A dose de intimidade aqui colocada não se compara à de “Diamond Mine”, álbum com King Creosote e que lhe valeu uma Mercury-nomination em 2011, ou mesmo aos seus passados trabalhos a solo, nunca comparáveis ao sucesso dos projectos que desenvolveu em paralelo — como com os Coldplay, com quem tem vindo a trabalhar até ao mais recente Ghost Stories. Mas também por isso se coloca, agora, num desafio de peito aberto: “Aprendes com os erros, também há componentes técnicas que tens de aprofundar, nem que seja com outras coisas, e os primeiros álbuns são sintoma disso. Aprendi e muito graças a outras coisas que fui fazendo, por gosto ou necessidade.”?

Então, o álbum que apresenta diz-se techno. Tem tempo ou BPMs para o ser, sem reproduzir o expectável, não fosse o contorno melódico uma assinatura inconfundível do produtor e músico. “As pessoas precisam de catalogar o género, saber onde pôr as coisas, mesmo que não enquadre a experiência que vão ter”, disse.?

O ouvido nos avanços de “We Disappear” é nada mais nada menos do que o virar da chave, o subir das escadas e o bater da porta do seu estúdio. E a viagem inicia-se aí, pelos passos que ecoam na cabeça de Jon e fazem caminho para uma banda sonora colada àquela mesma pele que tem respostas viscerais, da casa, para rua, para a pista e para dentro outra vez.

?Com a mesma postura com que arrebatou, timidamente, a audiência do Theatro Circo, num já saudoso Semibreve, Jon sentou-se à mesa numa Lisboa soalheira, com a expectativa duma sala que desejava que não fosse grande. “Não acho que o meu som seja bem conseguido para uma massa enorme de gente, tem um registo de dança, mas é intimista ao mesmo tempo...”. Ainda que vindo de um recheado Sonár, o Musicbox Lisboa preparava já, para sua justiça, 300 pessoas presentes numa lotação esgotada. ?

“A minha música envolve em boa parte a minha perspectiva de meditação, de conseguir evadir-me para outro lado, por isso desde o som à componente visual, tudo isso influencia o estado e o momento, que se quer envolvente por isso.” E foi. Conseguiu afundar a audiência num estado hipnótico, cujo mergulho levou a margens deep que o techno não ouvia há muito. E como poderia, se, entre linhas de piano e suspiros, saem puxões sintetizados que desconstroem 300 almas em pé? ?

Elevou assim as máximas de Brian Eno, referência que lhe serve ainda para inspiração, mais do que o trabalho actual ou do processo perfeccionista que agora constrói por si próprio. ?

Digerida a visão, só podemos deixar ficar por mais um pouco o reconforto de o ter tido aqui. E relembrar o “até já”, marcado para breve.

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