NOS Primavera Sound: tanta música para ouvir

O NOS Primavera Sound é um caso à parte no cenário superpovoado de festivais de música em Portugal. Porque se realiza no Porto, sim, mas também porque a música ainda parece ser o mais importante. É hora de descobertas, uma vez mais

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Meio espanhol, meio português — mas 100% portuense —, o NOS Primavera Sound (NPS) tem a autenticidade colada ao corpo. É o festival dos melómanos convictos, dos ascetas sónicos, da lógica “mais bandas, menos t-shirts de bandas”. É esse o cartão de visita que gosta de apresentar, a sua mitologia, e é essa a identidade que a organização procura manter. A terceira edição, que agora se avizinha, é um passo seguro no caminho que começou a ser trilhado em 2012, com as apostas do costume (público internacional, ambiente descontraído, espaço verde) e algumas apostas calculadas (já lá vamos).

Quando, há dois anos, o NPS chegou a Portugal, naquela que foi a sua primeira internacionalização, as expectativas eram elevadas, virtude do estatuto que as edições de Barcelona foram conquistando. À terceira edição, contudo, já é seguro dizer que o festival é uma aposta ganha e que hoje em dia, para muita gente, faz parte da mesma paisagem sazonal em que se insere o São João ou o Senhor de Matosinhos. É verdade que no Porto não há as palmeiras catalãs, mas o espírito é o mesmo. O conceito de inverter a lógica de saturação reinante nos festivais (a parafernália do costume: marcas, brindes, brindes de marcas) leva a que os dilemas sejam outros. Escolher entre o grupo consagrado ou a banda promissora, por exemplo. Ou a difícil tarefa de resolver o nó criado pela sobreposição de concertos.

A diversidade e qualidade das propostas musicais, que o anfiteatro natural do pulmão da cidade do Porto se encarrega de exponenciar, torna o NOS Primavera Sound num festival ímpar, sem, ainda assim, querer ser o festival dos consensos. O NPS não está organizado de forma a oferecer uma narrativa única que todos cumprem por igual. São vários festivais num só para se irem vendo, na íntegra ou parcialmente, em quatro palcos, à procura de um equilíbrio entre o que já se conhece e se quer ver e o que se ouviu falar e se quer descobrir. Aqui cabem as bandas aparatosas e as circunspectas, guitarras gentis para se admirar sentado ou electrónica retorcida para se dançar de olhos fechados, sem esquecer o rock mais ruidoso ou a pop mais rebelde. Todos são bem-vindos, fãs mais empenhados ou casuais — este é, por excelência, o festival da experimentação e da confirmação, do improviso e da descoberta. Uma festa de diferentes gerações, no fundo.


O cartaz


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Se nas edições anteriores houve, para citar apenas alguns nomes, Nick Cave, The xx, My Bloody Valentine, Blur, Black Lips, Thee Oh Sees, Yo La Tengo, Veronica Falls, Daniel Johnston, James Blake, Swans ou Dan Deacon, 2014 procura ir ao encontro do elevado padrão de expectativas do público do NPS. Oficialmente, o festival decorre de 5 a 7 de Junho, mas logo a 4, a partir das 19h, o Passeio das Virtudes recebe os Sopa de Pedra e os Dead Combo. Mais tarde, às 23h, na Casa da Música, o NOS Primavera Sound convida toda a gente para o seu dia zero com Rui Maia, DJ Fra e Mr Mitsuhirato — a entrada é livre e recomendada.

No dia 5 só há actividade nos dois palcos principais, o NOS e o Super Bock, como de costume. No primeiro os destaques vão para Kendrick Lamar, o futuro artista de hip-hop preferido de toda a gente, e Caetano Veloso, que é a definição ambulante da expressão “dispensa apresentações”; enquanto que no segundo se pode ver Sky Ferreira, a diva decadente da geração Y (já abriu para Miley Cyrus), ou Rodrigo Amarante, que se tem encarregue de escrever alguns dos melhores capítulos da história recente da MPB.

No dia seguinte, a 6, já com os quatro palcos a funcionar (ao NOS e Super Bock juntam-se o ATP e o Pitchfork), há Warpaint e Pixies no NOS, Slowdive e Trentemøller no Super Bock, Bicep no Pitchfork e Television no ATP. As Warpaint, um quarteto em ascensão, vêm apresentar o trabalho homónimo deste ano (imaginem Siouxie & The Banshees por um filtro californiano). Os Pixies, com muita rodagem de palco, sabem sempre entreter e trazem o primeiro disco desde 1991 na bagagem. Os Slowdive, adivinha-se, falarão ao coração de todos os que ainda estão a ressacar do concerto que os My Bloody Valentine deram no Parque da Cidade em 2013. O dinamarquês Trentemøller, autor de bandas sonoras para Oliver Stone ou Almodóvar, pode gabar-se de uma electrónica cada vez mais inclassificável. Também na electrónica, os Bicep, um duo norte-irlandês, culturistas da melhor house music, prometem mostrar porque estão na elite da música de dança actual. Para tocar o seu primeiro álbum na íntegra (“Marquee Moon”, de 1977) chegam os Television, uma instituição do rock vanguardista.

No terceiro e último dia, outro prato cheio. Os Neutral Milk Hotel tocam no NOS, John Grant e Lee Ranaldo actuam no Super Bock, os Cloud Nothings e as Dum Dum Girls sobem ao Pitchfork e no ATP ainda há Slint. Os Neutral Milk Hotel, a melhor contratação de 2012 para muito boa gente, voltam agora para escrever de vez o seu nome na pedra do indie rock — como não sabem dar maus concertos, o culto só tem tendência a crescer. Uma das mais entusiasmantes surpresas de 2013, o magnético John Grant, vai ao Porto e leva debaixo do braço “Pale Green Ghosts”, o segundo melhor disco do ano passado para o jornal inglês The Guardian. Lee Ranaldo, um dos dedos da mão decepada dos Sonic Youth, continua a consolidar a sua carreira a solo (“Last Night On Earth”, 2013) e dele só podemos esperar ruído no seu mais puro estado de eficácia. Dylan Baldi, líder dos norte-americanos Cloud Nothings, que deve ter passado muito tempo na juventude a ouvir Lee Ranaldo, assegura sozinho a dose diária recomendada de rock esventrado para os dias todos. Tão agradáveis aos olhos como aos ouvidos, as Dum Dum Girls vêm apresentar “Too True”, um tratado de punk centrifugado, enquanto que os Slint de Brian McMahan apostam em cobrar juros da moda do post-rock.

Uma palavra final para as actuações de Mogwai, Todd Terje, Godspeed You! Black Emperor, !!!, St Vincent ou Ty Segall. O melhor é mesmo não sair de casa sem ler dez vezes a programação (e os horários) de cada dia. Alguns dos melhores petiscos portuenses também já estão confirmados, à imagem do que aconteceu no ano anterior. A praça da alimentação tem os sítios do costume (alguma "fast food", o clássico porco no espeto), mas também lá se encontram as sandes de pernil da Casa Guedes, as bifanas da Conga ou os doces da Padaria Ribeiro (repetentes); em estreia tapas, francesinhas e até peixe fresco.

É hora de matar saudades. Vemo-nos no Parque da Cidade.

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