Sorrir

Sempre me dei melhor com pessoas que sorriem, com pessoas de riso fácil, aberto e franco. E sempre desconfiei das pessoas sisudas e das que não têm sentido de humor nem são capazes de rir de si próprias

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Peter Andrews/Reuters

Talvez o sorriso seja a expressão emocional mais marcadamente humana. Conseguimos ver expressões de medo, de raiva e até de surpresa em muitos animais. Mas nós somos os únicos em que o riso toma a sua total expressividade.

Depois, o sorriso (se não for falso ou forçado) é uma expressão de alegria, de felicidade.

E a ciência já mostrou que o riso tem uma série de efeitos positivos sobre a nossa saúde (desde baixar a tensão arterial até diminuir os níveis de cortisol libertados pelo stress, passando pelo aumento das imunidades) e que, por isso, até o devemos cultivar como exercício de bem-estar e de longevidade. Rir é bom! Afinal, quem prefere passar mais tempo a chorar, com raiva ou assustado?

A verdade é que a cultura ocidental (de raiz judaico-cristã) acabou por associar o riso ao pecado (porque ao prazer) e à falta de juízo (fenómeno explicado de forma notável no filme “O Nome da Rosa” de Jean-Jacques Annaud, baseado no livro homónimo de Umberto Eco). Graças a esse preconceito, construiu-se a ideia de que as pessoas, para serem inteligentes e ponderadas, devem ser sérias e desconfiar do riso. E por isso é tão difícil vermos políticos, economistas, advogados, empresários ou mesmo escritores e demais intelectuais europeus com riso fácil, público e notório. Há esta ideia perversa de que para se mandar, para se ser uma pessoa de respeito, para que levem a sério o que dizemos, é preciso estar-se investido da sisudez, da discrição e da gravitas da cara fechada (e é muito curioso notar como muito disso muda nas Américas e em África, em que os europeus se miscigenaram com os povos e culturas locais, onde o riso e a alegria são muito mais bem encarados, mesmo pelas elites governantes e intelectuais).

Da minha parte, sempre me dei melhor com pessoas que sorriem, com pessoas de riso fácil, aberto e franco. E sempre desconfiei das pessoas sisudas, que nunca riem, e das que não têm sentido de humor nem são capazes de rir de si próprias.

Quantos mais anos passam, e mais experiência vou acumulando, mais fico ciente de que o siso está no riso. É que aqueles que nunca riem, das duas uma, ou estão deprimidos ou têm perturbações da personalidade (como complexos de inferioridade, narcisismo ou psicopatia).

A verdade é que os cientistas sugerem que o riso é uma ferramenta comunicacional que apela à aproximação entre os seres, porque indica um sentimento amigável, uma vontade de interagir com os outros. Ao contrário do arreganhar dos dentes para rosnar e intimidar o próximo, o mostrar de dentes do riso tem, precisamente, a função inversa: é um convite à aproximação, à brincadeira, à paz. Por isso, o sorriso é um instrumento vital para a vida em sociedade.

Finalizo com um conselho: cultivem o vosso riso, acreditem nos que sorriem, e acima de tudo, naveguem, como Eugénio de Andrade, no sorriso dos outros.

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