Ciência: o seu a seu dono

Devíamos ser capazes de reconhecer os contributos da ciência para a nossa vida e para o nosso bem-estar, e a sua supremacia na explicação e resolução de tantos problemas

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Karlos AG/Flickr

Apesar de haver uma certa noção, nas sociedades ocidentais, da importância da ciência, o pensamento científico ainda não foi capaz de ocupar a sua devida posição no mundo. Não só existem muitas culturas que ainda olham de esguelha para a ciência como proliferam, na civilização ocidental, subculturas que não a respeitam.

A verdade é que, pensado em termos históricos, a ciência é uma forma de interpretar o mundo muito recente e tem feito um percurso de afirmação cheio de obstáculos e dificuldades: porque obriga as pessoas a repensarem as suas crenças e porque força mudanças nos poderes instalados. E mais, a ciência não consegue oferecer a tranquilidade da certeza absoluta que tantos outros discursos apregoam (como os religiosos, os do oculto, os ideológicos ou mesmo os da auto-ajuda). E como o ser humano exibe uma obsessão pela busca das certezas absolutas como forma de conforto mental, a ciência (que é, por definição, o discurso da dúvida, do relativismo e das certezas temporárias) vê a sua capacidade de "doutrinação" muito afectada.

Por isso, a única forma que a ciência tem encontrado para se conseguir impor é através das provas irrefutáveis e resultados objectivos que vai produzindo.

Basta olhar em redor para se perceber que o nosso modo de vida não existiria sem ciência. É que sem esse método de pensamento não teríamos auto-estradas, carros, aviões, comboios, habitações modernas, arranha-céus ou hospitais. Não existiria a televisão, a rádio, os telemóveis, os computadores, a internet ou qualquer outra tecnologia de comunicação de que nos possamos lembrar. Não teríamos sequer conseguido aproveitar a electricidade nem efectuar a refinação do petróleo. Não conseguiríamos ter a produção e a produtividade agrícolas que permitem alimentar a população mundial. Não teríamos os medicamentos, os testes de diagnósticos ou os cuidados higiénicos que permitem que vivamos, em média, até aos 80 anos e que não morramos alarvemente à nascença.

Enfim, sem ciência, hoje seríamos apenas uns quantos milhares de seres humanos no planeta a viver em pequenas tribos espalhadas pela floresta, savana ou outros habitats, e a morrer, em média, aos vinte e poucos anos com uma qualquer infecção dentária.

Por isso inquieta-me aperceber-me que ainda há muita gente disponível para acreditar nas retóricas pseudocientíficas que fazem da convicção da mensagem e dos mensageiros a sua poderosa arma doutrinária. E os exemplos abundam: assustam-me as pessoas que não vacinam os seus filhos, promovendo o reaparecimento de doenças já erradicas; assustam-me as pessoas que querem ter os partos em casa, causando mortes completamente evitáveis às crianças recém-nascidas; assustam-me as pessoas que defendem o ensino caseiro, incutindo nos seus descendes dogmas e mitos que mais não fazem que perigar a sã convivência social; assuntam-me as pessoas que recusam os tratamentos oncológicos por acreditarem em teorias da conspiração; preocupa-me as pessoas recorrem a crendices para tentar resolver problemas do quotidiano quando, provavelmente, a solução passaria por uma ida ao psicólogo.

Devíamos ser capazes de reconhecer os contributos da ciência para a nossa vida e para o nosso bem-estar, e a sua supremacia na explicação e resolução de tantos problemas. Quanto ao resto, àquilo que a ciência ainda não explicou ou que nunca vai conseguir dar resposta, cada um deve seguir o seu caminho, escolher a sua filosofia, na certeza porém de que o “só sei que nada sei” é a única postura intelectualmente honesta.

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