Levantar o rabo

A Diana Vasconcelos viajou recentemente para Kibera, no Quénia, onde a esperava um gueto de quase três milhões de pessoas, com os problemas que todos imaginamos

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Noor Khamis/Reuters

Quem pensa que falta comida no mundo está enganado. Quem vive bem com a diferença de igualdade está a enganar-se. Quem pensa que não pode fazer nada foi enganado. E está na hora de acordar, de levantar o rabo para ajudar a mudar este mundo tão nosso.

Está provado que não existe um problema de sustentabilidade alimentar no mundo: o que existe é um problema de distribuição de riqueza, nomeadamente no plano alimentar. A comida que hoje produzimos no mundo chegaria para manter bem alimentados todos os que cá moram, se chegasse no tempo certo e na qualidade necessária às pessoas que o necessitam. Não é uma conclusão inovadora nem notável, mas é um facto importante, porque nem sempre o consideramos óbvio.

Mas há mais. Mais e melhor. Uma grande parte das pessoas que têm conforto nos ramos essenciais à vida — educação, alimentação e saúde — não se importavam de acudir mais aos que necessitam dessa ajuda, se se assegurassem de que a mesma chega mesmo a essas pessoas e que não era usada pelas malhas políticas, pelos custos logísticos, pela burocracia, pelas máfias e por todos que acabam por tornar o processo de ajuda pouco transparente e de duvidosa eficácia.

Dito de outra forma: todos nós gostávamos de ajudar os mais pobres e dessa forma contribuir para a diminuição da desigualdade.

Pausa para pensar.

Igualdade não é o inverso de meritocracia. É bom que os que se esforçam sejam recompensados e possam viver melhor. Mas uma coisa é lutar por uma sociedade baseada em créditos e méritos, outra é ter consciência de que precisamos de uma base mínima de igualdade, sobretudo tendo em conta que alguns nunca chegaram a ter oportunidade de ter mérito algum.

A igualdade não é portanto ganharmos todos o mesmo ou sermos todos iguais: é lutarmos por criar os mesmos direitos, os mesmos acessos. Para termos condições parecidas, que iguais nunca serão. Só assim conseguiremos chegar a uma meritocracia plena e justa.

A Diana Vasconcelos viajou recentemente para Kibera, no Quénia, onde a esperava um gueto de quase três milhões de pessoas, com os problemas que todos imaginamos. Como tantos outros milhares de voluntários no mundo, a Diana largou tudo para ajudar quem mais precisa. Muitos de nós gostávamos de poder fazer o mesmo, mas não o fazemos. Não o fazemos porque o custo de largar tudo é demasiado alto. Temos famílias, empregos, responsabilidades. Essas são as nossas primeiras prioridades e ainda bem, porque ajudar desconhecidos para esquecer os nossos é um erro maior do que não fazer nada. Entretanto, esquecer desconhecidos que necessitam de ajuda e só lembrarmo-nos dos nossos, é adormecermos para uma realidade que nos pode bater à porta. Ambas têm riscos. Mas sem riscos não há certezas. Sem certezas é viver no limbo: não há acção.

O que a Diana nos tem mostrado com o projecto Há Ir e Voltar é que já há formas transparentes, directas e credíveis de apoiarmos quem mais precisa. E, sobretudo, que podemos apoiar de uma forma mais completa do que apenas o envio de comida para uns dias. Mostrou-nos que é possível com umas dezenas de euros por ano mudar a vida de uma criança, de uma pessoa. Inscrevê-la na escola, vaciná-la, calçá-la e assegurar-lhe duas refeições por dia. Acompanhar a sua evolução, conhecer os seus problemas e aprender com eles. Fazer-nos crescer, enquanto ajudamos.

Porque nós podemos ajudar a mudar o mundo. E sem nos apercebermos, o que estamos é a deixar que o mundo nos mude a nós. Para melhor.

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