A luta diária de uma escola de râguebi

Restrições financeiras, falta de transportes e de espaço fazem parte das peripécias da Escola de Rugby do Porto, mas a vontade de ensinar supera tudo

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Fernando Veludo/nFactos

É mais um dia de Primavera na Escola de Rugby do Porto (ERP). As nuvens ameaçam, mas não chove. O ambiente parece bastante calmo, pelo menos até as crianças saírem dos balneários. Os pequenos jogadores reúnem-se no relvado numa miscelânea de bolas voadoras e gritos eufóricos, e correm desenfreadamente uns atrás dos outros, como se estivessem a placar. No entanto, quando o treinador Francisco Gomes anuncia que o treino vai começar, o caos transforma-se em disciplina e a confusão em organização.

Com os olhos focados no técnico e no campo, as crianças parecem esperar pela autorização para desatarem novamente a correr. E a ordem surge de uma maneira pouco usual. Francisco, mais conhecido por Kiko, comemora o quinto ano na escola. Para celebrar a data, todos dão uma volta ao campo, com Kiko a liderar o grupo e a carregar uma bola na sua mão direita, como se fosse uma tocha olímpica. A estrela do dia tem apenas dez anos, adora râguebi e quer continuar porque “gosta de jogar e de estar com os amigos”.

Fundada há 10 anos por José Luís Vareta, a ERP começou com apenas dois jogadores, mas hoje já tem 54 (35 são Sub-12). Quando o projecto arrancou, o râguebi tinha uma projecção muito menor do que hoje em dia, mas quando questionado sobre a motivação que o levou a criar a escola, José Luís ri-se e explica: “Estou ligado ao râguebi há 44 anos.”

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Hoje, em virtude do aumento do número de atletas, nasceram os problemas da falta de espaço. A solução encontrada foi alternar os horários dos mais pequenos (Sub-12), que treinam às segundas e quartas-feiras, com os maiores (Sub-16), que praticam às terças e quintas-feiras.

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Ainda assim, José Luís defende que a partir dos Sub-14 a área já se torna “bastante limitada”, já que o espaço onde treinam é cerca de um terço do tamanho de um campo oficial. Por isso, para o fundador da ERP, “o próximo passo é arranjar um campo de futebol maior, já que no Porto não existem campos de râguebi”.

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Para os mais pequenos, por outro lado, a dificuldade não assenta na gestão do espaço, mas sim na aprendizagem de conceitos básicos. Depois de tantos anos de experiência, José Luís considera que o maior desafio é “explicar que temos que passar [a bola] para trás enquanto a ‘baliza’ é na frente”. “Se correrem para a frente e passarem a bola é fantástico: o primeiro princípio do jogo está metido na cabeça dos miúdos”, explica.

Hoje em dia, para aprender a jogar râguebi na ERP é preciso pagar uma mensalidade de 30 euros (Sub-12) ou 40 euros (para os mais velhos). Já os mais pequenos (até os seis anos) não pagam nada, afinal, o objectivo é apenas “mostrar a bola, que é esquisita, e decorar o nome do desporto, assim como de outras palavras como jogo colectivo, esforço e união”, frisa José Luis.

Do projecto fazem parte ainda quatro crianças da Obra de Frei Gil (Instituição que acolhe jovens em situação de risco) que, tal como os mais pequenos, treinam a custo zero. O seguro, a inscrição na federação e os equipamentos são fornecidos pela própria escola. “É de enaltecer a cumplicidade dos pais que, inclusive, tiveram o cuidado de oferecer chuteiras novas a estes miúdos” explica José Guimarães, director da ERP.

Apesar da vontade de acolher mais jovens de outras instituições, as restrições financeiras da escola não o possibilitam. “Se eu tivesse apoio de alguma organização, não me importava nada de ir a outro lugar qualquer e trazer mais miúdos”, explica José Luís. A solução para os problemas assenta, portanto, na entreajuda: “Conseguimos envolver os pais que, sempre que vamos a torneios, transportam os miúdos.”

Para José Luís, o derradeiro sonho é agora o de criar “uma equipa competitiva de base”. “O râguebi tem que andar para a frente à custa dos miúdos”, completou. E se depender do Vicente, a ERP vai longe. Com apenas nove anos, começou há três temporadas no Sub-8 e hoje já está no lado dos “crescidos”. E no futuro? “Quero ser como o Pedro Leal!”, responde.

E se o entusiasmo de jovens como o Vicente se mantiver, quem sabe se num pequeno campo de futebol de Ramalde, na cidade do Porto, não esteja a nascer uma futura estrela como o capitão da selecção nacional de sevens.

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