Fátima, fado… e Benfica

O fenómeno-futebol continua a fazer parar o país, mais do que outros temas que, de facto, têm muito maior impacto nas nossas vidas

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Miguel Manso

O Benfica garantiu que o seu 33º título de campeão ofuscasse o 40º aniversário do 25 de Abril, que certamente não encherá o Marquês nem a Boavista e, também é certo, não encherá a programação da TV e rádios como o verdadeiro“ópio do povo” fez e ainda faz. 

Este facto é interessante do ponto de vista empresarial e curioso do ponto de vista sociológico. 

Em primeiro lugar, a empresa/marca Sport Lisboa e Benfica está de parabéns. Este sucesso demonstra que a perseverança de quem, apaixonada e competentemente as gere, traz os seus frutos no médio/longo prazo. 

Recapitulando por um momento o recente historial, há 12 meses o futebol do Benfica tinha mais um ponto do que este tem e estava também na Liga Europa e na Taça de Portugal. Sem que nada o fizesse esperar, iria entrar num período de quatro meses de grande agitação e desilusão (perda do campeonato, após empate caseiro com o Estoril e derrota no Porto, perda da Liga Europa, com derrota frente ao Chelsea, perda da Taça de Portugal, com derrota frente ao Vit. Guimarães).

Após a derrota na 1ª Jornada desta época, frente ao Marítimo, o fecho dessa “travessia do deserto” só ocorreria no tempo de descontos do segundo jogo da época quando, no período de descontos, o Benfica “deu a volta” ao Gil Vicente, passando de 0-1 para 2-1 (golos aos 91 e 92 minutos de jogo) e iniciando aí uma notável sequência desportiva (22 vitórias e 4 empates) que o tornou virtual campeão a duas jornadas do fim.

Em termos de gestão empresarial, a tomada de decisão de manter o treinador durante os períodos negativos, é sinal de boa planificação, de confiança, de imunidade às pressões internas e externas, o que é difícil e raro numa organização desportiva, especialmente desta dimensão.

E isto é verdade, mesmo numa época como a passada, em que o sabor amargo da derrota final não se pode sobrepor ao que foram as boas opções de gestão durante o ano. Se falarmos apenas em futebol e na liga, vejamos a classificação média dos cinco anos de colaboração entre Luis Filipe Vieira e Jorge Jesus, onde é patente que apenas FC Porto e Benfica se encontram num patamar de excelência, com médias superiores a 22 vitórias e 70 pontos por ano (em 30 jogos, ou 90 pontos possíveis), deixando toda a concorrência a grande distância.

Em termos de gestão, o dissabor de 2012/13 corresponde ao melhor resultado efectivo dos cinco anos (apenas eventualmente superado pelo do presente ano, caso o Benfica vença o Setúbal na Luz e o FC Porto no Dragão).

À luz desta observação, fica claro que a Gestão de Topo fez muito bem em continuamente apoiar a equipa técnica e toda a estrutura do futebol, pelos continuados bons resultados obtidos. Terá havido a tentação de substituir a equipa técnica num momento menos bom? Certamente que sim, mas essas decisões tomam-se friamente e não no calor do jogo. Paixão e emoção sem limites? Isso é privilégio dos adeptos.

Se o FC Porto disputou e conquistou para si a hegemonia do futebol português desde o final dos anos 80, o Benfica – apesar dos títulos pontuais de 1994 e 2005 – só agora é novamente candidato a essa disputa.

Em termos de ecleticismo e de marca, a empresa-Benfica ocupa, à data de hoje, ao nível do futebol masculino, o 1º lugar em séniores, júniores, juvenis e iniciados. É líder também dos campeonatos de futsal, basquetebol e voleibol, sendo 2ª classificada no hóquei em patins (onde é ainda detentora dos títulos de campeã europeia, tendo terminado a dinastia de 10 vitórias do Porto no ano anterior) e também no andebol.

Não esquecer ainda o impacto que a BenficaTV teve com a aquisição de direitos de transmissão da Premier League inglesa e dos próprios jogos do Benfica em casa.

Hoje, esta face mais visível do sucesso é um reflexo de um processo que se iniciou no pós-Vale e Azevedo, quando o regresso às modalidades amadoras e à formação se tornou prioritário, quer para Manuel Vilarinho, seu sucessor, quer para Luis Filipe Vieira, actual presidente.

Esta evolução levou o clube a ser o que mais sócios tem a nível mundial, bem como a ser o que maior share de adeptos tem no seu país.

Pode não parecer, mas o objectivo da minha crónica não é o laudo à instituição.

Amor desproporcionado

Fazendo uma observação crítica, seja pela qualidade de resultados, seja pelo clubismo histórico e tradicional, pela preponderância que tem na comunicação social (além da TV, todos os jornais “sabem” que uma capa que tenha o Benfica é uma capa que vende), também assim se mostra o quão desproporcional é o nosso país no amor ao desporto-rei. A diferença é que, por essa Europa fora, enchem-se estádios e, simultaneamente, também salas de teatro, ballet, exposições, etc.  

Assunto já sobejamente falado/discutido, a dimensão dos nossos estádios é claramente excessiva para o país que temos; já nem falando dos casos gritantes (de abandono, por mau planeamento/dimensionamento) do Estádio do Algarve, de Leiria ou de Aveiro, nós temos um país com 10 milhões de habitantes e estádios para uma população de 500 milhões ou mais; na Alemanha há uma dezena de clubes com médias de assistências a rondar os 50.000 por jogo (durante toda a época) e o seu poder financeiro dá origem a fenómenos como o do “histórico” Colónia, no jogo em que garantiu o regresso à Primeira Divisão alemã, em que teve 50.000 fãs a encherem o estádio.

Em Portugal, vive-se uma “clubite” (sim, é uma doença) que resulta num anormal amor aos “três grandes” em detrimento de tudo o resto, sejam os outros clubes, sejam os outros desportos, seja o social, o cultural ou o político.

Ao contrário da maioria dos outros países, é frequente termos um conimbricense a torcer, em primeiro lugar, por um clube que não a Académica de Coimbra… pois, lá fora, por muito grande que o Real Madrid ou o Barcelona sejam, se for jogar a Pamplona, vai ter os seus adeptos em minoria face aos do Osasuna.

O que aconteceu no Marquês de Pombal no domingo é sintomático de uma população desfasada da realidade, que busca no festejo efémero (de conquistas de terceiros) a realização pessoal que lhe é barrada pelos caminhos da meritocracia.

O fenómeno-futebol continua a fazer parar o país, mais do que outros temas que, de facto, têm muito maior impacto nas nossas vidas.

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