“Activismo de lã”: vamos fazer política com crochet?

O que é que o crochet tem a ver com a McDonalds? Tudo, quando das mãos de Sónia Domingos sair a dieta mediterrânica em lã, um argumento poderoso que será esgrimido contra a cadeia de fast-food.

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Um pouco por todo o país, árvores e postes surgem inesperadamente engalanados. Coloridos, ora são abraçados por flores, ora pelas mais diferentes formas geométricas ou riscas. As latas de “spray” dão, do Norte ou Sul, lugar ao crochet, originando uma nova forma de arte urbana. O movimento chama-se Yarn bombing, teve início noutras paragens mas já ataca em Portugal. E há até quem tenha sido convidado para levar este “activismo de lã” nacional até à Austrália para lutar contra a McDonalds.

Os projectos artísticos feitos de crochet ou tricot são uma forma de arte urbana criada em 2004 na Holanda. Ana Esteves, fundadora da página de Facebook “Movimento Yarn Bombing Portugal”, disse que este “é um movimento de rebeldia, um pouco como o graffiti, uma demonstração espontânea”. Começou a interessar-se por esta arte em 2005. “Seguia muitas páginas internacionais de crafts [artesanato] e em Portugal o tema era pouquíssimo conhecido. Decidi então divulgar o crochet urbano a nível nacional”.

Hoje, esta arte urbana tem invadido as ruas de norte a sul do país. Águeda, Aveiro, Coimbra, Sintra, Linda-a-Velha, Lisboa, Albufeira, Sagres, São Miguel, Madeira, são alguns do locais onde o crochet urbano já apareceu. Normalmente, não tendo a autorização das câmaras e juntas, as peças de lã são retiradas pelas autarquias ou vandalizadas por desconhecidos, durando por isso pouco tempo nas ruas.

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Foi o que aconteceu com as iniciativas de Sónia Domingos por Lisboa. O enorme sutiã colorido que fez para a estátua “Infância” no Campo Grande, em Janeiro de 2013, desapareceu no dia seguinte. Mas há as que resistem.

No projecto “Mar de Emoções Arbóreas — As Árvores também Namoram”, exposto no início de Fevereiro no Jardim do Campo Grande, Sónia Domingos conseguiu reunir uma equipa de 50 pessoas para preencher bases de lã, feitas por ela, com folhas, corações e flores de crochet, criadas pelos vários colaboradores. Foi a maior instalação que fez até hoje e a mais dispendiosa. Teve um custo de 100 euros, sendo que normalmente gasta 50 euros em novelos nas suas intervenções. Hoje, duas árvores permanecem decoradas.

Restauradora de manuscritos há 15 anos, aventurou-se no Yarn Bombing há dois. “Criei o projecto StoryMakers Portuguese Urban Crafts para contar histórias e levar alegria à cidade de Lisboa”. Apesar de ter aprendido crochet quando tinha nove anos com a avó, só em 2004 começou a praticar esta arte. Fazia mantas de lã e depois passou-as para as ruas. “O crochet urbano dá a possibilidade de chamar à atenção para determinadas questões sociais”. E é essa a sua motivação e o seu objectivo.

Trabalhos de lã contra “fast food”

É o que chama “activismo de lã” e que deu origem a um convite inusitado há cerca de um mês. O grupo activista australiano The Pichet Knitters  — que faz parte do movimento “No Maccas in the Hills” — contactou-a para fazer parte de uma iniciativa anti-McDonalds que envolverá outros três países. A portuguesa escolheu fazer a dieta mediterrânea em crochet para representar o exemplo nacional de comida saudável contra o “fast-food”.

“Inspirei-me na nossa cultura e nas naturezas mortas de Josefa d´Óbidos, uma pintora portuguesa do séc. XVI, para divulgar a Dieta Mediterrânica”, explica Sónia Domingos ao PÚBLICO. A acção também contará com trabalhos de crochet e tricot dos EUA, Reino Unido e África do Sul.

O grupo activista pretende impedir a abertura de um estabelecimento do McDonalds, que funcionará 24h por dia, num espaço verde que é um local histórico e turístico de Tecoma, uma cidade em Melbourne. Sónia Domingos aceitou logo participar na iniciativa. “O crochet urbano também deve servir para sensibilizar através de activismos de lã”, afirma.

O painel da Dieta Mediterrânea já começou a ser feito e deverá ficar pronto no próximo mês. A peça terá 1,20 metros e contará com a colaboração de várias crocheteiras.

Sagres resiste colorida

Ao contrário do que acontece ao produto do trabalho das iniciativas esporádicas que ocorrem um pouco por todo o país, em Sagres, as malhas que abraçam árvores e postes de sinalética desta vila do concelho de Vila do Bispo resistem. A iniciativa foi da artesã Vera Figueiredo, que decidiu pedir a autorização à câmara. “O objectivo é promover a nossa cidade”, afirmou ao PÚBLICO, um mês depois de ter começado a expor as suas peças pelo concelho.

Vera Figueiredo conta que começou a fazer crochet urbano no início deste ano, para colorir a vila onde mora. A ambição é decorar todo o concelho e já foram colocadas peças em diversos locais: num poste de iluminação, em árvores, em sinais verticais de rotundas e passadeiras. Vera tem-se dedicado a este projecto como um hobby, que está em crescimento. “Comecei por fazer intervenções e divulgar na minha página de Facebook e a mensagem foi passando. Agora já somos uma equipa”, conta.

A maioria do grupo é formado por mulheres, que já tem prática a fazer trabalhos em crochet ou tricot e que estão desempregadas e reformadas. “A pessoa mais velha que trabalha comigo deu aulas de crochet durante 15 anos”, sublinha a artesã. Cada uma tem a sua técnica, que conjugadas diversificam as peças. Usam-se vários novelos de cores diferentes, uma das características obrigatórias do Yarn Bombing.

As peças são feitas em casa, depois de planeadas já com um local escolhido. Por fim, onde são expostas, cozem-se com lã. Vera Figueiredo conta que começou a fazer intervenções inspirada pelos trabalhos de crochet urbano que encontrou online noutros locais dentro e fora do país. Pretende fazer uma manutenção das peças que já tem nas ruas. “E se forem vandalizadas, vou lá repô-las”, promete, disposta a lutar por uma Sagres vestida de malha.

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