“Entre Mandela e os Springboks havia um respeito que nunca será apagado”

François Pienaar reconhece que cresceu a ouvir que Mandela "era um homem muito mau", mas as suas ideias "mudaram dramaticamente" após conhecer Madiba

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Rui Farinha/NFactos

Pouca mais de um mês após a morte de Nelson Mandela, colocamos online uma entrevista (publicada originalmente no jornal Público , em Janeiro de 2013) com capitão da selecção da África do Sul no Mundial 95.

Conheceu Mandela pouco antes do arranque do Mundial de râguebi de 1995. O que é que esse encontro mudou na sua vida?

Não diria que a minha vida mudou. Algumas das minhas ideias, sim, mudaram dramaticamente. Percebi que o "apartheid" estava errado. É impossível existir uma mudança radical quando se cresceu a ouvir que ele era um “homem muito mau”, que o ANC era “uma organização terrorista”. Não é possível acordar no dia seguinte e dizer: “Estou errado, não fui informado correctamente”. Mas depois de nos conhecermos as coisas mudaram. Estive com ele uma hora e foi incrível. Seria fácil dramatizar a situação ou usar palavras bonitas, mas a realidade é apenas que me senti seguro. Senti que estava a conhecer um homem velho muito conhecedor, que se preocupava. Há pessoas que tu conheces e percebes que apenas estão a fingir que se preocupam. Mandela não foi politicamente correcto e eu gostei logo dele. Muito. Ganhou logo ali o meu respeito.

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Quanto é que ele influenciou efectivamente a vitória dos Springboks em 1995?

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Teve influência fora do campo, mobilizando as pessoas. Nas tácticas, no espírito com que jogámos, no jogo em si mesmo, não. Mas deixou uma óptima impressão nos jogadores. Quando esteve com a equipa pela primeira vez, fez-nos pensar: “Meu Deus, isto é grande!”. Íamos para um Mundial e não sabíamos o que esperar. Nunca tínhamos lá estado, éramos inexperientes e depois o Presidente vem visitar-nos, toda a gente quer fotografar-nos... Isso, sim, causou impacto. Ele teve uma enorme influência no exterior, na forma como a África do Sul apoiou aquela equipa e esse apoio foi importante. Não se pode desvalorizar isso. Não sei se isso representou 10, 20 ou 30% da vitória, mas, mesmo que tenha sido apenas 1%, foi o suficiente.

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Quem beneficiou mais com a vitória? Os Springboks, graças a Mandela, ou Mandela, graças aos Springboks?

É uma boa pergunta. Acho que os Springboks beneficiaram mais. O país beneficiou mais. Tenho que pensar bem na resposta… Ele podia tirar-nos o emblema de Springbok e as cores do equipamento, e isso seria desastroso para a equipa e para os adeptos. Mas ele não o fez e ganhou o respeito de muita gente. Entre Mandela e os Springboks havia um respeito gigantesco e esse nunca, nunca será apagado.

Mas concorda que Mandela usou os Springboks em seu proveito – mesmo que por boas razões – para conquistar a confiança da população branca?

Sim, concordo, mas não acho que tenha sido premeditado. Acho que foi genuíno, que ele estava realmente interessado [na dimensão social do Mundial]. As pessoas não são estúpidas e, de outra forma, teriam visto falsidade na sua actuação. Não existiu nada disso. Tudo evoluiu de forma genuína. Basta ver as imagens de quando “Madiba” [nome de clã de Mandela] me entregou a taça para notar como ele estava orgulhoso. Não estava a representar. Sim, claro que ele entendeu o poder do desporto e isso foi importante na sua estratégia, mas ele acreditava no que estava a fazer.

Voltando a esse momento em que recebeu o troféu, tinha consciência, nessa altura, do que essa vitória viria a significar para África do Sul?

Não. Não tinha. Não fazia ideia. Foi um momento muito especial, um momento que ficará para sempre. Foi para aquilo que treinámos, mas não fazia a menor ideia de que teria um impacto tão dramático.

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