Ivan Roca criou um roteiro turístico de graffiti em Lisboa

Lisbon Street Art Tour é um roteiro de graffiti que mostra a arte nacional e internacional “escondida dos dois lados da Avenida da Liberdade”

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Oxana Ianin

Há três anos, quando um grupo de dez a quinte “writters” começou a desenhar nas paredes tristes e degradadas das Escadinhas do Lavra, perto do Jardim do Torel, em Lisboa, a vizinhança estranhou e chamou a polícia. Tratava-se, naquela zona, do primeiro de nove espaços a ser transformado com graffiti autorizado. “Hoje quando passam por ali, ficam maravilhados a olhar. E dizem 'Então agora vão pintar por cima destes? Que pena!'".

Perto de uma das avenidas portuguesas mais conhecidas, a Avenida da Liberdade, estão alguns dos locais conceituados do graffiti nacional legal, e é por lá que passa o roteiro Lisbon Street Art Tour. Para Ivan Roca, que, por meio do seu projecto turístico Roca Global guia e organiza estas visitas, “é conhecer a cidade de Lisboa numa perspectiva diferente". "Grande parte dos turistas faz imensas vezes a avenida de uma ponta à outra, mas não chega a passar cá dentro e não tem noção do que aqui se passa.”

Desde que fechou a loja de graffiti da Dedicated, em 2012, e passou a vender produtos exclusivamente através do site, ficou com mais tempo para organizar as visitas turísticas. “Quando ainda tinha a loja, havia uma grande quantidade de pessoas que me escrevia para lhes mostrar os sítios com graffiti, porque não os encontravam”.

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Com o roteiro organizado, Ivan não esperava ter tanta adesão: “Já tive aqui clientes de mais de vinte países, desde o Vietname à África do Sul. Há turistas que viajam pelo mundo só para ver 'street art'. Não tinha noção”.

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"Clientes com mais de 80 anos"

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Quanto às faixas etárias que mais o procuram, há uma inversão do estereótipo. “Ao contrário do que se pensa, 90% dos clientes não são jovens. Os jovens encontram na Internet e vão aos locais”. Acrescenta que grande parte dos clientes têm mais de 50 anos, e inclusive já teve “clientes com mais de 80 anos”.

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Com a atribuição de paredes que a Junta de Freguesia tem possibilitado, torna-se mais fácil criar novos pontos de interesse para um roteiro que se vai renovado, não só nos espaços, mas pela própria efemeridade das pinturas que são deixadas por artistas um pouco por todo o mundo.

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No "hall of fame" das Escadinhas do Lavra, onde já pintaram “mais de cem artistas” está o conjunto de obras que Ivan Roca mais destaca: ao pé das obras de vários artistas portugueses conceituados, entre eles o conhecido Nomen, está de momento uma pintura do australiano Sofles, um dos writters mais conceituados a nível mundial. “É um respeito enorme. Até tenho pena de pintar esta parede por cima. Melhor do que o que está aqui neste momento vai ser difícil”, confessa o responsável.

A efemeridade das obras é precisamente uma das características que distingue o graffiti da street art. Apesar de se chamar Street Art Tour, a raiz do roteiro é totalmente no graffiti. “Na street art, a peça é feita e é permanente. É pensada de determinada forma e num artista definido, pelos seus trabalhos anteriores.” O graffiti, pelo contrário, “está em constante renovação” e não implica a realização de nenhuma obra concreta. “Na street art, as pessoas são convidadas a fazer um certo tipo de projecto. Aquele artista é pago para fazer aquele trabalho porque combina com aquela fachada. Aqui não há regras.“

Também na remuneração o graffiti difere da street art convencional. “No graffiti, as pessoas vêm pintar, pagam as latas do próprio bolso, pagam o bilhete de avião e o hotel do próprio bolso. E não se importam que daqui por dois meses vá lá outro artista pintar por cima. Como eu costumo dizer, o street art é mais fácil para comer.”

“A freguesia com mais graffiti autorizado”

Durante o tempo em que esteve na loja de graffiti, criou-se uma ligação com a freguesia de S. José, agora freguesia de S. António (em resultado da fusão de quatro autarquias). O então presidente da junta da antiga freguesia, Vasco Morgado, entrou na loja com a intenção de pedir a Ivan que lhe pintasse algumas paredes degradadas da junta. “Tínhamos uma série de muros com erros ortográficos, muros feios com algumas frases menos próprias, mesmo ao pé de escolas”.

No preenchimento dos primeiros muros, Vasco Morgado encontrou alguma incredulidade e resistência por parte dos habitantes. “Ainda hoje há gente a ligar-me e a dizer 'andam aqui uns gajos a pintar os muros!'" Mas em pouco mais de três anos de parceria, já são mais de nove "hall of fame" construídos, com a satisfação de duas necessidades. “Eles precisam de paredes para expressar a sua arte de forma legal”, que acaba por “requalificar muitos dos muros que de outra forma estariam a cair. Há aqui também um trabalho muito importante de requalificação.”

A aposta na arte urbana passa por tentar trazer atenção e dinamismo à freguesia: “São José, agora Santo António, está a ser transportado para o exterior através desta ideia”, afirma o autarca. E com o novo mapa das freguesias, que agora junta S. José a S. António, S. Mamede e Coração de Jesus, “mais paredes e muros haverá para pintar no futuro”.

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