Quem são estas jotas?

Adoro esta piada e invejo profundamente quem a inventou: sabem quem é que teve pais heterossexuais? O Hitler

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Yuji_in_Paris/Flickr

Tendo em conta a brilhante decisão de referendar o direito de co-adoção por parte dos homossexuais, proposta levada à Assembleia da República pelo PSD após sugestão da JSD, não posso deixar de dizer que sou veementemente contra. Porque são um direito e uma liberdade inegáveis a seres humanos, e portanto não passíveis de serem referendados. Porque há centenas de estudos científicos que garantem que as crianças não sofrem quaisquer danos morais, físicos ou psicológicos por serem educadas por pais homossexuais. E porque — sejamos sérios — são demasiadas as crianças presas em heróicas instituições à espera de quem as ame e lhes ofereça um lar mais digno.

À parte disso, deixem-me ver se percebi bem toda esta história: meia dúzia de gaiatos reunidos à boa moda dos concílios da Opus Dei em colégios ali para os lados de Telheiras lembram-se, um dia, da alegada estupidez que é dar liberdades aos bichos perigosíssimos que são os homossexuais. Pior ainda: coitadinhos dos meninos que, ao ser adoptados por um casal do mesmo sexo, serão aberrações da sociedade. E depois, os veteranos das lides partidárias olham para o pensamento dos miúdos das jotas, cheios de orgulho, e levam a proposta à maior instituição política nacional de forma a atirar um direito humano às decisões mais emocionais que racionais do povo. É isto, não é?

À imagem dos partidos políticos, também as jotas deveriam ser extintas. Porque assentam num regime de amiguismo, desprovido de valia social e profissional. Promove-se o gajo mais porreiro, com mais carisma, que fala bem sobre isto ou aquilo e que teve uma nota gorda no colégio caro pago pelos papás — assim é fácil!

E, acima de tudo, as jotas deveriam ser extintas porque eu e uns quantos milhões, como membros do povo, não nos lembramos de ter dado o direito a um garoto de uma juventude partidária de propor uma decisão para o país onde pretendemos viver até ao último dos nossos dias. Trocado por miúdos: nunca votei numa jota. E ainda bem. Cheguei a pensar em seguir carreira política há coisa de dez anos, mas não passei das ideias aos actos. E ainda bem.

Ao menos, vale-nos uma coisa: a juventude contemporânea está-se nas tintas para as juventudes partidárias. Talvez seja uma antevisão do futuro. Talvez os partidos passem de moribundos a não-existentes. Compreendo a necessidade de uma organização política que legitime os homens a votos, mas permitam-me o pessimismo: a máquina partidária mais não é que uma seita com ideologias vagas mas de um totalitarismo premente. Quem não concorda com isto ou aquilo, é corrido com a maior leveza de espírito.

Simultaneamente, indigna-me a falta de consciência dos deputados que, à partida, deveriam representar o povo. Por votarem como se vivessem numa mini-Coreia do Norte, onde o que manda é a lógica do partido e não o pensamento pessoal e intransmissível. Diz o ancião que é um perigo pôr crianças a viver com homossexuais e os vassalos acenam, num “amén” maquinal. Adoro esta piada e invejo profundamente quem a inventou: sabem quem é que teve pais heterossexuais? O Hitler.

Agora que o disparate está feito, resta a responsabilidade do povo. O povo que mostre que não vive ainda no século XVII e que espete um valente “sim” nas cremalheiras das juventudes e velhices partidárias que tanto nos envergonham e em pouco nos representam. As pessoas querem-se livres, pá.

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