A fome dos mortos

O sucesso de "The Walking Dead" deve-se a uma combinação engenhosa entre o horror da figura do zombie e o excesso emocional do melodrama

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e_monk/flickr

Os zombies do nosso imaginário devem mais a George A. Romero do que à mitologia vudu que lhes deu o nome. Em 1968, para o seu filme "A noite dos mortos-vivos", o realizador norte-americano inspirou-se na forma como o filme "The last man on earth" retratava os vampiros – uma horda acéfala e voraz – para inventar o mais emblemático monstro dos tempos modernos.

Cada época tem o seu monstro de estimação, que lhe encarna os medos, e representa visualmente aquilo em que a sociedade se revê e aquilo que a horroriza. Com a figura do zombie, Romero tentou satirizar a sociedade consumista ocidental, em que toda a moral, pensamento ou relação é submetida a uma mentalidade de matilha e a um desejo descontrolado de consumo. Tal imagem atingiu o auge no filme "Dawn of the Dead", de 1978, do mesmo realizador, que tinha como cenário um nada inocente centro comercial.

Foi a simbologia e a acessibilidade visual do zombie – ser humano reduzido ao instinto animal de morder e arranhar – que o tornaram popular em numerosos filmes e jogos, desde "Re-Animator" até "Resident Evil" ou "The Last of Us", e até na televisão, recentemente, com a popularidade da série "The Walking Dead". Esta parte de uma banda desenhada de sucesso, homónima, que também já gerou um videojogo igualmente bem sucedido.

Excesso emocional

Este sucesso deve-se a uma combinação engenhosa entre o horror da figura do zombie e o excesso emocional do melodrama, em que os protagonistas são colocados perante dilemas atrozes dos quais não há saída. E ao colocar os protagonistas humanos como se fossem náufragos num mar de zombies – como acontece tanto na BD, como na série ou no jogo – coloca-nos também a nós perante os dilemas da sobrevivência, em que a luta mais importante não é a luta pela vida, mas a luta pela dignidade de não nos tornamos iguais a zombies, que perderam a sua humanidade, os seus laços afetivos, a sua solidariedade, a sua responsabilidade e a sua inteligência, em favor de uma necessidade imediata de consumir, de devorar e de seguir obedientemente atrás dos outros.

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