Editoras independentes voltam a investir na banda desenhada

Depois de um período em que pouco foi publicado, as editoras independentes de banda desenhada voltam a investir cada vez mais em autores e ilustradores portugueses

Uma das páginas do último capítulo da saga Dog Mendonça e Pizzaboy DR
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Uma das páginas do último capítulo da saga Dog Mendonça e Pizzaboy DR
O Baile/Negative Dad
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O Baile/Negative Dad
Love Hole, de Afonso Ferreira, Chili Com Carne, 2012 DR
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Love Hole, de Afonso Ferreira, Chili Com Carne, 2012 DR

Vender 400 exemplares de um livro é motivo de rejúbilo para qualquer editora independente de banda desenhada portuguesa.

Foi o caso de "O Baile", de Nuno Duarte e Joana Afonso, que após ter vencido o prémio para melhor álbum português no festival de banda desenhada da Amadora, esgotou a sua primeira edição. Lançado em Outubro de 2012 pela editora Kingpin Books, "O Baile" é já um caso de sucesso mas que não reflecte a situação actual da banda desenhada portuguesa a nível de vendas.

“Infelizmente o sucesso crítico e sucesso de vendas não coincidem”, disse ao PÚBLICO Mário Freitas, fundador da Kingpin Books. Com tiragens que variam entre os 200 e os 700 exemplares, os livros publicados pelas editoras independentes de BD em Portugal mantêm um fenómeno de culto reduzido ou, como vários na indústria referem, “um nicho dentro de um nicho”.

“Se a cultura é um nicho e a leitura também, então a BD é apenas um cantinho nesse nicho”, afirmou Nuno Duarte, autor nas Produções Fictícias e argumentista de "O Baile". “Nós temos autores, editores e público mas faltam-nos duas coisas: distribuição e divulgação”, palavras de Pedro Pereira, também conhecido como Pepdelrey da editora El Pep, que apresenta um dilema comum e que parece retratar a génese das pequenas editoras de BD portuguesa e o espírito da autopublicação.

“As grandes editoras não se chegam à frente e portanto aparecem artistas que querem fazer banda desenhada só porque gostam de banda desenhada”, comentou Pedro Moura, investigador e crítico de banda desenhada. Estas duas editoras, por exemplo, publicaram este ano dois livros que contam a história de um paciente anónimo, agitado por uma crise existencialista, que tenta escapar do hospício onde está internado.

Duas sinopses semelhantes mas com grandes diferenças. Um apresenta a agonia do seu protagonista a partir de uma técnica mista sobreposta por tinta-da-china e o outro tira partido de uma ilustração digital minimalista que acompanha a metamorfose gradual de um homem que se transforma em esquilo. "Psicose", de Miguel Costa Ferreira e João Sequeira, lançado em Abril de 2013 pela El Pep, e "Palmas Para o Esquilo", de David Soares e Pedro Serpa, lançado pela Kingpin Books em Julho de 2013, são dois álbuns que exemplificam o que no final dos anos 80 se definiu como “banda desenhada de autor”.

O que mudou?

No caso de "O Baile", uma reinvenção do género thriller norte-americano sobre um agente da polícia política PIDE que investiga casos paranormais, desenhado por Joana Afonso, formada em pintura e animação, contribui com um estilo de ilustração próprio sem semelhança a qualquer um dos seus contemporâneos.

No entanto, o seu sucesso de vendas não foi motivo de espanto para Mário Freitas, da Kingpin Books, que já tinha previsto que a primeira edição de "O Baile" iria esgotar, tendo em conta que os vencedores das últimas edições do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora também esgotaram a sua primeira edição. A editora Polvo imprimiu uma segunda edição de "O amor infinito que te tenho e outras histórias", de Paulo Monteiro, considerado melhor álbum em 2011, enquanto "As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy", escrito por Filipe Melo e editado pela Tinta-da-China, vencedor do mesmo prémio em 2012, já vai na terceira.

Então o que mudou no rumo da banda desenhada portuguesa? “Não se vêem tanto as novas tendências como se vêem formas mais inteligentes de edição”, analisa Pedro Moura. “Nos anos 90 havia uma conversa megalómana onde algumas editoras independentes achavam que iriam conquistar todo o panorama, e agora temos editoras que começaram com lançamentos pequenos e gradualmente foram conquistando o seu público.” Pedro Moura, que foi comissário da exposição de banda desenhada "Tinta nos Nervos", no Centro Cultural de Belém em 2011, refere a Chili Com Carne e a Edições Polvo como editoras marcantes que surgiram nos finais dos anos 90. Editoras vanguardistas que publicavam pequenas tiragens de artistas interessados em fazer BD mas que fugiam às tendências procuradas pelas grandes editoras em Portugal.

“Criou-se uma grande expectativa de que as grandes editoras iriam pegar neles”, comentou Pedro Pereira da El Pep, fundada em 2002. A atitude “faça você mesmo” de artistas portugueses que não queriam estar dependentes de distribuidoras gerou uma produção imensa de micropublicações geralmente disponíveis em feiras, salões e festivais.

No entanto, nos últimos anos, mesmo as editoras independentes deixaram de publicar com tanta frequência. “Até 2008, muitos de nós [editoras independentes] tínhamos parado de publicar”, diz Pedro Pereira. Segundo Marcos Farrajota, fundador da Chili Com Carne e funcionário da Bedeteca de Lisboa, “as editoras pequenas não se conseguiram organizar para serem autónomas na altura.” Mário Freitas, da Kingpin Books, sugere outra razão. “O problema é que foi editada demasiada coisa e demasiada coisa má numa altura de vacas gordas.”

Simultaneamente, o encerramento de espaços como o Salão Lisboa de Banda Desenhada e Ilustração e a reestruturação da Bedeteca de Lisboa conturbaram a já limitada interacção pessoal entre as editoras e o seu público. Contudo Marcos Farrajota dá a entender que não houve apenas uma diminuição de vendas de banda desenhada independente como também da banda desenhada em geral. “As grandes editoras praticaram uma política de ‘terra queimada’ impondo álbuns franco-belgas para um público que já não queria isso.”

Lê o artigo completo no PÚBLICO.

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