A TV-realidade e a realidade da TV portuguesa

A TVI é um canal privado e por isso tem todo o direito de servir às audiências aquilo que bem entende. Mas eis uma ideia: em vez de mostrar pessoas fechadas numa casa a outras pessoas fechadas em casa, a TVI podia apostar em "reality shows" de qualidade

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Tim Wimborne/Reuters

Portugal precisa de mais um "reality show" manhoso como de uma praga de gafanhotos. Tudo contado devo ter visto a saga "Secret Story" uns dez minutos. Durante esse tempo consegui ver os genitais de uma concorrente e deu-me a vergonha em pessoa alheia. Mudei de canal.


Uma ressalva, antes de me chamarem elitista, puritana ou sobranceira: eu gosto de "trash TV". Incluindo as bizarrias do TLC. Mas há uma linha que separa o trash do "worthless". O 'lixo' do 'sem valor'. Às vezes encontramos coisas com valor no lixo, mas o "Secret Story" não tem nada que o redima. Ainda assim, em Setembro último, o "Secret Story 4" foi o quinto programa mais visto do mês. Bem à frente do Especial Autárquicas, por exemplo.


A TVI é um canal privado e por isso tem todo o direito de servir às audiências aquilo que bem entende. Mas eis uma ideia: em vez de mostrar pessoas fechadas numa casa a outras pessoas fechadas em casa, a TVI podia apostar em "reality shows" de qualidade. Parece uma contradição nos termos mas não precisa de ser.


Num período de crise como o actual louvo, por exemplo, um reality show como "Querido, Mudei a Casa" que consegue fazer aplicar os dinheiros da publicidade e das audiências na melhoria de vida de um indivíduo, de uma família e, às vezes, até de uma comunidade. A versão norte-americana da coisa — o "Extreme Makeover, Home Edition" — foi durante nove anos um fenómeno de audiências nos EUA. O programa — que ainda passa na SIC Mulher — tem por missão ajudar uma família em apuros. Ou porque sofreu a morte de um dos seus membros, ou porque perdeu tudo o que tinha numa catástrofe natural, ou porque lida com deficiências, ou ainda porque se empenha em ajudar a comunidade apesar das próprias dificuldades. Toda a empreitada é custeada pela produção do programa, por mecenas, voluntários e construtores locais que decidem retribuir à comunidade.


Outro "reality show" cujo conceito poderíamos importar agora, numa altura em que os pequenos e médios empresários atravessam dificuldades e precisam de esperança, é o "Britain's Best Bakery" (Fox Life). Como se intui pelo título, dois juízes percorrem a Grã-Bretanha à procura da melhor padaria/pastelaria do reino. Há finais regionais, há competição, há donuts e, no final, os espectadores ficam a conhecer melhor alguns empresários da sua comunidade. E quem diz pastelarias pode dizer restaurantes, ou bares, ou produtores de vinho...


Outro modelo de "reality show" que poderia resultar em Portugal num momento em que as pessoas trazem a palavra 'empreendedorismo' na boca como um credo seria o "Shark Tank". Imaginem os Amorim, os Nabeiro e os Espírito Santo a comporem um painel de jurados que emprestaria dinheiro a quem lhes apresentasse a melhor ideia de negócio.


Nunca estudei audiências mas estudo pessoas há vários anos (ainda não me formei) e intuo que os telespectadores responderão sempre melhor ao que é positivo, redentor e proveitoso. Se os responsáveis pela programação experimentarem não nivelar por baixo, o pior que lhes pode acontecer é surpreenderem-se com os resultados. Já que uma estação se empenha em produzir um "reality show", então que se certifique que a vida dos concorrentes fica melhor do que estava. Fama efémera e dinheiro de presenças recolhido em discotecas de Valongo não conta.

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