Pelo voto obrigatório, pela democracia

Mais umas eleições passaram e preocupantes (mas não surpreendentes) números de abstenção apareceram: 47,4% do eleitorado.

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De entre vários problemas, isto traz uma falta de legitimidade para o Governo e uma desresponsabilização, do Governo e dos eleitores, enormes. Estas duas circunstâncias juntas podem debilitar qualquer democracia e devem ser contrariadas activamente, de forma a evitar a instabilidade democrática. Penso que parte da solução passa por tornar o voto obrigatório e acredito que há argumentos de toda a natureza a suportar isto: económicos, morais e políticos.

Na maioria da literatura que se debruçou sobre a abstenção parece haver um consenso: A condição socioecónomica e a educação não são independentes da abstenção, na medida em que, por exemplo, a abstenção é maior em grupos de pessoas com menor escolaridade. Um dos problemas daqui decorrentes é que o aumento da abstenção (tendência dos últimos anos nas democracias ocidentais), causa um aumento da desigualdade na representatividade, tornando maior a probabilidade de o Governo representar uma minoria. Os partidos interessam-se mais por medidas que agradam ao seu eleitorado, e se há grupos que votam menos, as medidas que os afectam serão menos atractivas para os partidos. Assim, estes grupos não se interessarão tanto por votar, criando um efeito cíclico que os marginaliza cada vez mais.

Mas tornar o voto obrigatório traz outro efeito positivo: altera a dúvida das pessoas de “será que vou votar?” para “em quem vou votar?”. Isto faz com que os partidos não se preocupem em levar as pessoas às urnas, mas foquem-se em informá-las. Não se trata de coagir alguém a votar em determinado partido. Continuaremos a ter a opção de votar em ninguém (voto em branco, nulo ou “em nenhum dos anteriores”). A Austrália é um caso de sucesso desta medida, onde uma pequena punição (20 dólares australianos, desde os anos 20) fez a abstenção baixar para valores inferiores a 5%. No entanto, fará mais sentido indexar esta multa ao rendimento (2 ou 3% deste), por questões de equidade. Há também ganhos em eficiência pelo facto de que, se é obrigatório votar, urge então que o Estado optimize o processo eleitoral para que seja possível toda a gente fazê-lo. É necessário lançar a discussão da agilização do sistema de voto com alternativas como o voto electrónico.

Direito e dever

Ademais, criar o sentido de que votar é um direito mas também um dever pode criar uma dinâmica democrática crescente (que pode, admito, levar mais do que uma geração), até chegarmos ao ponto em que se tornará intrínseco votarmos. Fará parte do nosso sistema democrático. E esta dinâmica fará com que as pessoas se interessem cada vez mais em quem votam e que estejam mais vigilantes, exigindo melhores políticos. Isto pode dar azo à criação de partidos, movimentos independentes e de um maior envolvimento político dos cidadãos. Tornar todas as pessoas em potenciais votantes, é fazer com que os partidos tenham que ter em conta todos os quadrantes da sociedade. O voto é das poucas situações em que todos os agentes têm igual poder, é imprescindível usá-lo para contrabalançar as desigualdades!

Ter uma sociedade mais activa e politizada não passa apenas pelo voto obrigatório. Teremos que continuar a lutar por uma população mais informada e com padrões educativos mais elevados. Contudo, os benefícios que tiramos desta medida são, creio, superiores às desvantagens que daí advêm.

O direito à democracia carrega consigo o dever de nos expressarmos sobre ela, sim ao voto obrigatório!

*O texto não vincula o NOVA Debate, expressando exclusivamente a opinião do autor. NOVA Debate – Juntamos Saber

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