Ao fim da licenciatura, qual será o meu fado?

Olho em todas as direcções e são poucas as expressões de felicidade e satisfação que vejo. Vejo desespero, cansaço e desânimo. Vejo nas minhas próprias paredes de casa falta de esperança e uma aflição permanente

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Enric Vives-Rubio

Coimbra vestiu-se, mais uma vez, de latas e de nabos. Um marco para os caloiros, outro tanto para os se iniciam finalistas. Foi ontem que percorri o caminho da Faculdade de Letras ao Parque Verde do Mondego de penico na mão e chupeta ao pescoço. E hoje, vejo colegas quase a romper a meta e eu a caminhar a passos largos (espero) para a cruzar. A felicidade devia ser predominante por estar a meio do caminho que escolhi, mas só sei sentir-me angustiada. Qual será o fado depois de percorrer a Avenida Sá da Bandeira e a Praça 8 de Maio pela última vez? O que me espera depois de três anos de licenciatura?


Vejo colegas, já licenciados, a fazer as malas, movidos pela coragem, voarem para outro país em busca de algo que lhes proporcione o mínimo dos mínimos, como ter dinheiro para comer. Vejo a própria da minha mãe, licenciada há anos, funcionária pública, com uma vontade desmedida de bater a porta à terra dos descobridores e rumar sem rumo a um país que não lhe faça contar cada cêntimo no final do mês com a certeza de que vai faltar nalgum lado. Vejo outros tantos colegas permanecerem presos, travados pelo medo, numa lista infindável de desemprego.

Ouvem-se piadas sobre o facto de no final da licenciatura todos irmos parar ao Continente, Pingo Doce e outros que tais. Olhando para o buraco de país em que vivemos, assim fosse. Tivéssemos nós a certeza de que, no fim deste caminho teríamos um desses lugares à nossa espera. Mas provavelmente nem isso. O mal o menos para aqueles que têm um canudo e trabalham como caixas de hipermercado ou lojistas. Sabe-se que, pelo menos, ao deitar a cabeça na almofada no fim do dia, têm a certeza de que algum dinheiro terão no fim do mês (ainda que pouco, mas têm). Vejo-me, trabalhadora-estudante, num desses lugares fonte de tantas piadas, e agradeço estar lá. Vejo-me com medo, angustiada, sem saber o que me espera mas colhida por um sobejo de esperança de que posso fazer parte daquela pequena parcela dos que têm sorte. Olho em todas as direcções e são poucas as expressões de felicidade e satisfação que vejo. Vejo desespero, cansaço e desânimo. Vejo nas minhas próprias paredes de casa falta de esperança e uma aflição permanente.


Hoje que vi a tradição do baptismo a ser cumprida, hoje que vi tantos caloiros a serem baptizados, hoje que baptizei uma afilhada, hoje que vi colegas que me são tão queridos a dar o nabo a morder, hoje que me vejo a meio de um caminho que não sei onde irá dar, hoje ao deitar a cabeça na almofada penso: qual será o meu fado?

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