O dia em que o Instagram juntou José Luís Peixoto e Salman Rushdie

O Instagram, com mais de 37 milhões de seguidores, segue apenas 240 pessoas. Uma delas é o escritor português, que está de regresso à Coreia do Norte

A fotografia da capa de Dentro do Segredo é da autoria do próprio autor
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A fotografia da capa de Dentro do Segredo é da autoria do próprio autor
Miguel Manso
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Miguel Manso

"Da caneta à máquina fotográfica". Na semana passada, o Instagram destacou seis escritores que utilizam a aplicação como meio de inspiração ou de divulgação. Ao lado de Salman Rushdie, autor de "Versículos Satânicos", e de Jon Krakauer, que escreveu "O Lado Selvagem", surge o nome de José Luís Peixoto. "Tem sido uma loucura", confessou ao P3.

Salman Rushdie, Jon Krakauer, Jarrett Krosoczka, Marcus Samuelsson, Erin Morgenstern e um português. Ao alinhar esta lista, o Instagram, com uma "comunidade de mais de 150 milhões de pessoas a partilharem fotografias todos os meses", abriu uma caixa de Pandora. "É absolutamente incrível", sublinha José Luís Peixoto numa pausa de uma semana e dois dias em Portugal e de partida para "China e Coreias". "Cada vez que faço 'refresh' são mais 40 ou 50. De repente tenho 14 mil seguidores" (quando a conversa com o P3 foi publicada, os seguidores eram já perto de 17 mil).

"O Instagram", sublinha, "tem ajudado muito neste ano muito movimentado, com imensas aventuras pelo mundo". "Ajuda a equilibrar-me, a criar uma estabilidade dentro do possível. Permite-me estar em várias partes do mundo e comunicar com pessoas". São "dez anos a viajar". E "os dois últimos de uma forma mais exuberante" — e o Instagram, como se sabe, gosta disso.

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O projecto #moldura_project_jlp está gravado no braço do escritor

De regresso à Coreia

Tailândia, Senegal, Gâmbia, Amazónia... "Ainda não tive três semanas seguidas em Portugal". Que o diga @joseluispeixoto, entre uma discoteca chinesa e o regresso à Coreia do Norte, cenário do seu livro "Dentro do Segredo", cuja fotografia de capa é da sua autoria. "Não sou fotógrafo porque conheço muito bons fotógrafos. E conheço bens as diferenças. Não é uma vocação minha, nem tenho essa ambição. Mas desta vez [na Coreia do Norte] coloco uma foto no Instagram mesmo que gaste 30 euros, duas se me entusiasmar muito".

A popularidade do escritor português, com mais de 1200 fotos publicadas, disparou à velocidade... do Instagram, cuja actividade é seguida de perto por mais de 37 milhões de utilizadores, mas que segue apenas 240 pessoas. E, até prova em contrário — e porque esta lista de elite é efémera —, uma delas é José Luís Peixoto. "Comecei a ser seguido pelo Instagram! Confesso que fiquei estupefacto e comovido. Esta atenção do Instagram para com o meu perfil fez com que muitas pessoas olhassem para os meus livros e viagens... pessoas do Paquistão, do Irão, do México, Japão, Islândia... Sinto uma certa responsabilidade".

O Instagram dele é, como muitos outros, "um retrato meio simbólico". "É algo que muitas vezes só eu é que entendo, é um diário visual de uma vida agitada, demasiado não linear. O Instagram ajuda-me a manter uma cronologia", justifica o escritor. Retrato robot? Escolhe um hotel em detrimento de outro por ter acesso à Internet (também para falar com os filhos via Viber), usa um iPhone 5 e deixou de usar filtros. Mais algum sintoma? "Dou por mim a fazer passeios para fotografar. A primeira vez que conduzi um carro foi na instrução. A primeira vez que partilhei fotografias foi com o Instagram".

Uma moldura tatuada no braço

"As fotos que faço entram no bolso de muitas pessoas. Imagino sempre que tipo de relação existe entre essas pessoas, que muitas vezes nem conheço, e as minhas fotografias. Pessoalmente imagino muitas vezes como será a vida delas. As fotos do Instagram são pequenas janelas que se abrem. Mas nós é que abrimos essas janelas", assume o escritor que tem tatuado no braço esquerdo uma moldura, marca registada do projecto #moldura_project_jlp. José Luís Peixoto deixa que os seus amigos (velhos e novos) preencham o seu interior, fotografa o resultado e coloca essa obra no seu Insta. "Sem grande ansiedade, fui pedindo às pessoas que desenhassem ou escrevessem. A última 'tatuagem' é uma árvore de um menino de dez anos que pertence a uma seita religiosa que acredita que a Amazónia é a terra prometida. Este projecto é uma colecção das múltiplas pessoas que vou encontrando".

Dos seis escritores seleccionados pelo Instagram, José Luís Peixoto é o segundo com mais seguidores (só o chef etíope Marcus Samuelsson é mais popular nesta rede social). Mas o escritor, a atravessar uma fase "esponja", prefere continuar a alimentar-se de "imagens e estímulos". "É um período de absorção, sinto-me cheio de imagens e de estímulos", repete. "A minha vida tem sido muito bipolar. Por um lado viajar, viver muitas coisas. Por outro, reclusão, muito tempo fechado a escrever muito daquilo que vivi, pensei e imaginei. Tenho-me deixado seduzir por muitas viagens, mas também tenho muitas saudades de ficar fechado em casa a escrever. O Instagram ajudou-me a trabalhar uma coisa: o olhar. Tem sido um enriquecimento".

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