Praxes, abortos, co-adopções e direitos dos animais…

Este é o maior equívoco: nesta vida não há donos da verdade absoluta, por mais convencidas disso que algumas pessoas estejam…

Foto
Mario Inoportuno/Flickr

Sei bem que o título apresenta-se desconexo. Sei bem que é sensacionalista. Mas é apenas o ponto de partida para uma outra coisa. É que não quero discutir ou defender a minha posição sobre cada um dos tópicos enunciados. Quero antes analisar o que os une a todos: a sua capacidade de fracturar a sociedade e a inutilidade de que se revestem muitas das discussões que à sua volta se geram.

Quando alguém escreve um artigo de opinião sobre qualquer um destes tópicos (ou sobre outros que tais), está (re)aberta a bolha do debate. De um lado e do outro das barricadas ideológicas todos tentam defender as suas teses, ao mesmo tempo que tentam convencer o outro lado quão errado está e forçá-lo a perceber que se tem que juntar ao primeiro, o lado da verdade, da razão e do bom senso. E este é o maior equívoco: nesta vida não há donos da verdade absoluta, por mais convencidas disso que algumas pessoas estejam…

Bem sei que o debate é uma ferramenta vital para a vida civilizada e um pilar indispensável da democracia. Mas nem todos os debates são úteis. Para que o sejam, é necessário que as pessoas envolvidas estejam de espírito aberto e com boa vontade para escutar o que o outro tem a dizer. Caso contrário, desaparece o debate e passa-se à conversa de surdos em que uns tentam berrar por cima dos outros e só a ira e a irritação aumentam. No fim de tais querelas verbais, ninguém ficou a ganhar: todos ficaram mais convencidos dos seus ideais (muitas vezes até extremando-os) e só a intolerância e o desprezo pela outra parte aumentaram.

Todos os tópicos que eu enunciei dizem respeito a questões ligadas aos valores mais profundos dos seres humanos, que nos foram inculcados em criança: o que é uma família, o que é a vida, se acreditamos ou não em deuses, qual a importância da tradição ou que autoridades devemos respeitar. Depois de termos a nossa formação moral completada, é praticamente impossível mudarmos de posição (qual filiação clubística…). Como será possível convencer um “dux facultis”, que tem na praxe a sua menina dos olhos, o seu púlpito e a sua crença, de que a praxe pode violar a sensibilidade alheia ou de que é completamente incompatível com os valores pelos quais a Universidade deve pugnar (como o pensamento crítico, o não seguidismo, o não dogmatismo, a autonomia ou a inovação)? Como convencer uma mulher, crente na sua liberdade de escolha sobre o seu corpo, de que um embrião pode ser considerado vida com dignidade humana (e com os respectivos direitos) fazendo com que, aí, ela perca os direitos sobre o seu corpo? Como convencer alguém com uma noção tradicional e conservadora de família (em que os papéis femininos e masculinos, da mãe e do pai, são fundamentais para o desenvolvimento adequado das crianças) de que dois homens e uma criança podem representar uma verdadeira família? Ou como podemos convencer uma vegetariana, amante da natureza e panteísta, de que um conjunto de pessoas pode encontrar na tourada um modo (e muitas vezes uma razão) de vida? Nenhuma destas pessoas vai mudar de posição por ver o outro com a posição oposta e todos vão lutar para que a sua visão do mundo seja consagrada legalmente.

Em termos práticos, e numa sociedade democrática, a única coisa que acontece é, através de eleições, uma maioria impor os seus valores à sociedade. Não tenhamos ilusões, em democracia há vencedores e perdedores, e fundamentalmente ao nível dos valores: se os que a sociedade consagra forem diferentes dos nossos, somos perdedores; se forem iguais, somos vencedores. Quanto à mudança das crenças maioritárias, só a educação das crianças é aí poderosa…

Sugerir correcção
Comentar