A revisão da Constituição: uma necessidade clara

Tal como se encontra, a Constituição coloca entraves às reformas do Estado necessárias, devido às mudanças circunstanciais e geracionais que ocorreram desde a sua entrada em vigor

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Daniel Rocha

Portugal vê-se desafiado por graves problemas, a nível económico, social, fiscal, político ou financeiro. A economia portuguesa, externamente, não se revela competitiva nem tão pouco apresenta resultados desejáveis de evolução.

A mudança passa pela revisão constitucional: significará um atacar dos constrangimentos e limites que dificultam o desenvolvimento do país. Tal como se encontra, a Constituição coloca entraves às reformas do Estado necessárias, devido às mudanças circunstanciais e geracionais que ocorreram desde a sua entrada em vigor.

A Constituição deve permitir aos portugueses escolher livremente as opções económicas e sociais em função das circunstâncias e do pensamento vigente. Ora, como é evidente, o pensamento actual difere do pensamento de há 37 anos, já para não falar do peso evidente que a ideologia de esquerda teve na elaboração da Constituição.

Note-se que no preâmbulo, é dito que se pretende "abrir caminho para uma sociedade socialista". Queremos uma sociedade socialista? Era o objectivo da revolução, definir ideologicamente que sociedade se queria construir? Não deveria ficar isso a cargo dos portugueses, através da expressão por sufrágio?

Não pode, a Constituição, definir as prioridades do Estado com tanta precisão como o faz. Que legitimidade tem ela para definir como incumbência prioritária do Estado a eliminação dos latifúndios e o reordenamento dos minifúndios? Não me parece que esta norma sirva os interesses do Estado e, se não serve, não faz sentido lá estar – até porque poucos ou nenhuns governos lhe dão crédito.

Estão em causa as novas opções económicas que se pretendem tomar, como a necessária “reforma do Estado e das suas estruturas públicas”. A Constituição não deve limitar a acção dos Governos eleitos no que respeita à organização política e económica. A Constituição não deve ter um programa implícito que se sobreponha ao programa do Governo eleito. Não faz sentido, no actual estado de coisas, a Constituição consagrar quase incondicionalmente o direito à greve, principalmente quando esse perturba o exercício do direito dos outros, como o direito ao trabalho. Estamos perante uma clara falta de harmonização de direitos, resultado da elevada carga programática da Constituição que, na sua tentativa de permitir muito, trouxe graves dificuldades de conjugação dos princípios e direitos.

Surge a necessidade de reformulação/remoção de artigos sem aplicação real. Repare-se que o artigo 58º, n.º 1, estabelece que todos têm direito ao trabalho. Que direito é este? Se aplicarmos o artigo à letra, o Governo que aumente o desemprego incorre em inconstitucionalidade. Mas significará que ninguém pode ser privado de trabalhar, sendo que todos o podem fazer?

Por último, critico o estatuto “imaculado” atribuído à classe política. Repare-se que o artigo 157º estabelece que "os Deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia". Constituirá o cargo de deputado uma categoria de cidadão à parte? Não deverão responder perante a Justiça sempre que necessário? A resposta é sim. Ser deputado não é um mero trabalho: trata-se de servir a nação.

A Constituição não pode ser um travão às reformas necessárias. Ela deve garantir um Estado respeitador da supremacia dos direitos fundamentais; assegurar, verdadeiramente, os direitos sociais; promover a eficiência das prestações sociais; defender o princípio da livre iniciativa; e atribuir mais responsabilidade ao exercício da actividade politica.

PS: o texto não vincula o NOVA Debate, expressando exclusivamente a opinião do autor. 

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