O peso do peso nos auto-retratos de Jen Davis

Em "Self-Portraits", a fotógrafa documenta o seu corpo: primeiro com mais de 100 quilos, depois com menos 50. São retratos crus e corajosos que exploram a vulnerabilidade e o desconforto

“Pressure Point” (2002) Jen Davis
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“Pressure Point” (2002) Jen Davis
New Haven Bedroom (2006) Jen Davis
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New Haven Bedroom (2006) Jen Davis

Durante 11 anos, Jen Davis fotografou-se. Quis falar sobre o seu peso, sobre o seu desconforto. Sobre ser observada, sobre saber o que é e não é a intimidade — o homem que a abraça em “Fantasy Nº 1” (2004) não é realmente um namorado. Nesta jornada de auto-conhecimento, a norte-americana coleccionou retratos crus e corajosos que exploram a vulnerabilidade de uma pessoa com mais de 100 quilos. Em 2011, com 33 anos, apercebeu-se que não queria chegar aos 40 assim.

Começou a fazer exercício, a comer melhor e colocou uma banda gástrica. Hoje, 50 quilos a menos, os auto-retratos estão diferentes. Para o ano, sai o livro, um diário dos últimos 11 anos. Entretanto, os retratos já vão correndo o mundo. Apanhámos Jen Davis no Skype a partir de Copenhaga, na Dinamarca, onde se encontra a leccionar o curso "Intimate Portrait / Intimate Self" e a preparar uma exposição que inaugura em Viborg a 14 de Setembro. No dia 2 de Outubro, é a vez de a parisiense Galerie Entre expor os retratos.

Estás a fazer auto-retratos há 11 anos. Como é que começou?

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Untitled No 55 (2013) Jen Davis

Durante o último semestre do curso [na Columbia College Chicago], eu estava a fotografar outras pessoas e fotografava-os, identificava-os, como um substituto de mim própria. Chamava-lhes narrativas ambíguas. No final do semestre, eu estava realmente frustrada porque não estava a atingir aquilo que queria. Não sabia como usar aquela personagem para falar de mim. Depois de algum tempo, decidi pegar na câmara e apontá-la para mim.

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Fantasy No 1 (2004) Jen Davis

A primeira foto foi a “Pressure Point” (2002). Fala-me sobre ela.

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Untitled No 7 (2004) Jen Davis

Foi a da praia. De algum modo, eu fiquei surpreendida com ela por ter conseguido aquele resultado. Parece um momento parado no tempo, naquele ponto em que eu estava realmente desconfortável ao estar na praia, de fato de banho. Foi aí que comecei a pensar em explorar este estado de desconforto e ver se conseguia transportá-lo para imagens. Eu fui de férias e não planeei tirar esta foto. Apenas surgiu quando eu estava na praia e estava a sentir-me desconfortável. Decidi fotografar e ver como seria o resultado. O momento que foi captado, a minha vulnerabilidade, o meu desconforto... foi chocante para mim quando eu a vi.

Sendo “chocante”, sendo “desconfortável”, como é que decidiste continuar a explorar o corpo no teu trabalho?

Foi a única vez na minha vida e no meu trabalho que consegui falar sobre o meu corpo, sobre coisas que não conseguia necessariamente articular falando sobre elas. Foi a relação com a câmara que o possibilitou. Para mim, aquele lado íntimo, aquela versão de mim, foi uma coisa que eu nunca conheci. Como se fosse um outro universo em que sou quase como uma personagem de uma parte privada que eu não mostrava ao mundo. Foi quase como perguntar quem é aquela outra pessoa na intimidade, no desejo, percebendo que eu não sabia o que era a intimidade, que não sabia qual era o meu espaço no mundo. Foi a câmara que começou a fazer isso. Ajudou-me a perceber quem era.

Tiveste receio que a perda de peso pudesse mudar o teu trabalho?

Sim, mas... eu nunca o questionei antes. Eu acho que nunca percebi qual era o meu tamanho até que comecei a perder peso. Eu sabia que era larga, sabia que era obesa, que estava a ser observada e que era desconfortável para mim, mas só quando comecei a perder peso é que percebi qual era mesmo o meu peso. Foi ao passar por isso que comecei a sentir-me realmente diferente.

As tuas últimas fotografias são muito mais claras, mais soalheiras. Estás noutro "lugar"?

Sim. Durante uns tempos, eu não quis fotografar. Ao perder peso, ganhei outras experiências. Estava a ter encontros, a conhecer pessoas, e não queria fotografar isso. Pensei que iria querer fotografar-me sempre e ver-me, mas, pelo contrário, senti que devia estar a aproveitar o que realmente esta a acontecer na minha vida.

Decidiste vivê-la e não fotografá-la.

Eu continuo a fotografar-me. Fotografo coisas importantes e acho que a maneira como apareço nas fotografias é diferente. A face, o olhar, a maneira como estou a olhar para mim é diferente, olho para o meu corpo e olho-me no espelho de uma forma descontraída e vou vendo o peso a sair. Estar numa relação, a primeira vez que estive apaixonada... isso também entrou no trabalho.

Reconheces-te nas primeiras fotos?

Sim, mas hoje sinto-me um bocado anestesiada, distante... Eu olhei para estas fotografias durante muito tempo e olhei para mim nestas fotografias. São parte da minha vida, mas é diferente.

Vais parar com os auto-retratos? Li numa entrevista que te querias dedicar a outros projectos.

Eu continuo a fazer os auto-retratos, mas estou a tentar procurar outras formas de trabalhar comigo e a pensar em introduzir, ou não, outras personagens no trabalho. Quero evoluir como fotógrafa, pensar noutros assuntos e não centrar todos os projectos em mim mesma.

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