A velocidade furiosa da informação

O jornalista deve ser um mediador, um filtro que separa os factos dos boatos, que tem a perseverança, a paciência e a deontologia de saber esperar pela verdade — não um mero distribuidor de notícias

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LubsMary/Flickr

Vivemos na era da informação, já muitos o disseram. Talvez o mais correcto fosse dizer que vivemos na era da velocidade alucinante da informação. Para além da quantidade, o que mais caracteriza o tempo corrente é a velocidade da informação. O problema é que, a esta velocidade, a informação corre o risco de se aniquilar, rasgar, chegando ao destino apenas como trapos inorgânicos de notícias.

Como em muitas outras situações, todos temos culpa: os jornalistas que se deixam alienar pela busca incessante de serem os primeiros a dizer qualquer coisa; os consumidores de informação que estão sempre em “pulgas” para saberem a última novidade (melhor ainda se for escandalosa ou chocante); os donos da indústria mediática que estruturam as suas empresas na base da competição pela “notícia primeiro que os outros”.

Depois, as tecnologias alimentam a voracidade dos intervenientes: a Internet, os telemóveis e as redes sociais são o condimento explosivo para que se criem, constantemente, bolhas especulativas noticiosas. Aliás, a actualidade está, cada vez mais, feita dessas bolhas. Numa semana é um cão que mata e não se sabe se vai ser morto, na outra alguém que diz algo num jornal que muitos outros não gostaram. Depois, um político a cantar (desafinado). Noutro dia ainda, uma campanha publicitária mal concebida que põe a falar quem não tem nada para dizer. Cada um destes eventos merece não só a virilidade social como toda uma análise e contra análise nos jornais, na televisão e na Internet. Todos, naquela semana, escrevem sobre o mesmo. Todos, naquela semana, comentam o mesmo com os amigos e colegas: “Eh pá, visto aquilo? Isto há com cada idiota…”. Milhares de “views”, “likes” e comentários acesos (que nada acrescentam a não ser agressividade) que, passada a febre, perdem o interesse por caducidade.

No meio de tudo isto, muitas vezes acaba-se por não divulgar e discutir aquilo que, verdadeiramente, afecta as nossas vidas. Por isso alguns insurgem-se e reclamam alternativas. Uns desligam-se do mundo (pelo menos do mundo mediático), outros tentam passar por entre os pingos da chuva fazendo uma criteriosa selecção do que vêem, ouvem e comentam. No caso dos profissionais, ainda existem muitos que demandam a ponderação e clamam por condições de trabalho que lhes permitam serem, realmente, agentes diferenciados de informação.

O jornalista deve ser um mediador, um filtro que separa os factos dos boatos, que tem a perseverança, a paciência e a deontologia de saber esperar pela verdade. Tem a responsabilidade de investigar, denunciar, alertar e ser um agente produtor de informação, não um mero distribuidor de notícias.

Esta velocidade furiosa da informação já nos proporcionou diversos episódios caricatos: com a ânsia de ser o primeiro a entrevistar, um canal de televisão levou a um programa seu um cidadão anónimo que todos acreditavam ser responsável por um departamento da O.N.U.; em Londres, à porta do hospital onde havia nascido o filho dos príncipes, outro cidadão anónimo, vestido a rigor, fazia o anúncio do nascimento da criança, com todos os média do mundo a publicitarem tal performance do arauto real, que afinal não o era; em alguns jornais, um famoso jogador de futebol apareceu grudado a uma "stripper". Afinal, só as imagens, manipuladas em Photoshop, é que estavam realmente grudadas…

De facto, é muito pouco sensato ter o “ser primeiro” como único valor: anunciar primeiro uma mentira é uma desvantagem (pode até ser crime); ser o primeiro a chegar ao local errado, uma perda de tempo; ser o primeiro a fazer ecoar um boato, perigoso; ser o primeiro a dizer uma irrelevância, idiota e alimentador da futilidade. Enfim, a obsessão cega pela velocidade a todo custo desvirtua a própria actividade informativa.

O grande dilema é este: quanto mais os média estiverem dependentes da especulação noticiosa mais se irão afastar da sua real função e contributo para a sociedade. A difusão, sem critério, de informação, a especulação noticiosa, não carece de jornalistas nem de média (basta a Internet e as redes sociais). Por isso, os que seguirem esse caminho, estão, a médio prazo, condenados a desparecer.

Porém, os que não seguem esse caminho no curto prazo, têm desaparecido (porque não têm tantos “views”). No meio desta turbulência e dificuldade, há-de surgir alguma solução. Mas uma coisa é certa, o mundo globalizado e virtualizado significa que todos somos responsáveis por esse processo e só das interacções entre profissionais e consumidores de informação será possível surgir a tal solução.

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