Califórnia: alunos transgénero escolhem WC que querem usar

É o primeiro estado americano a promulgar uma lei que estabelece o direito aos estudantes transgénero de utilizarem as instalações escolares com base na identidade de género

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A partir de 1 de Janeiro de 2014, a Califórnia vai tornar-se o primeiro estado norte-americano a permitir que os alunos transgénero escolham as casas de banho e os balneários que querem usar nas escolas. A estes estudantes será dada ainda a possibilidade de escolherem as equipas de desporto em que querem entrar com base na sua identidade de género.

Ashton Lee, 16 anos, nasceu mulher em Manteca, na Califórnia, mas é como homem que quer ser identificado e desde cedo quis que a sua identidade de género fosse respeitada pela direcção da escola que frequenta. “Quero apenas ser tratado como todos os outros rapazes, mas a minha escola obriga-me a ter aulas de educação física com as raparigas, como alguém que não sou”.

Este foi o testemunho que o jovem deixou perante o comité de educação do senado estatal da Califórnia no mês passado, citado pela CNN. Ao comité, Ashton Lee sublinhou ainda a pressão psicológica que sofre com o que considera ser uma discriminação. “Não posso aprender e ser bem-sucedido quando todos os dias aquelas aulas me provocam um sentimento de isolamento e solidão”.

A lei promulgada na segunda-feira pelo governador democrata Jerry Brown é a resposta que jovens transgénero como Ashton Lee esperavam há muito. As novas regras impõem às escolas californianas que seja permitido aos alunos o acesso a provas de desporto inter-escolas, a aulas de educação física, balneários e casas de banho com base na sua identidade de género e não no seu sexo biológico.

A legislação é inédita nos Estados Unidos, mas algumas escolas em Los Angeles e em San Francisco já permitiam, por iniciativa própria, que alunos transgénero participassem em programas de desporto e utilizassem casas de banho de acordo com o que consideram ser a sua identidade de género.

O autor da legislação agora aprovada, o democrata Tom Ammiano, explica que a lei pretende reduzir as situações de "bullying" nas escolas e ajudar os alunos transgénero a sentirem-se mais confortáveis nas instalações escolares. “Enquanto muitos alunos californianos são já protegidos em algumas das nossas maiores escolas distritais, outros distritos parecem não perceber que os alunos transgénero devem ter o mesmo acesso aos programas e instalações escolar”, defendeu citado pelo "Los Angeles Times".

A lei que irá entrar em vigor em 2014 recebe o apoio de várias organizações, como a Associação de Professores da Califórnia, a União Americana de Liberdades Civis ou o Transgender Law Center, uma instituição não lucrativa de defesa dos direitos dos transgénero. A sua directora considera que a lei é uma mensagem positiva enviada aos alunos que não se identificam com o sexo com que nasceram. “Vai transmitir-lhes que são uma parte da comunidade escolar, que têm valor e que queremos vê-los a participar em pleno e que sejam bem-sucedidos”, defendeu Ilona Turner à CNN.

Do outro lado estão grupos conservadores. “Não era necessário impor a lei a todos os distritos escolares na Califórnia”, considerou também à CNN Karen England, da Capitol Resource Institute, uma organização pela defesa da família. Para a porta-voz, a lei é demasiado vaga e não impede que possam ocorrer abusos. “A maioria dos californianos não quer que as filhas tomem banho ou usem as casas de banho com rapazes”, alertou.

O caso Coy Mathis

Em Junho, o caso de Coy Mathis teve destaque nos media norte-americanos. Aos seis anos, esta menina nascida menino enfrentou com os pais a direcção de uma escola primária em Fountain, no Colorado, e conseguiu autorização para utilizar a casa de banho reservada às raparigas. Para o seu advogado, esta foi uma decisão sem precedentes na defesa dos direitos civis nos Estados Unidos.
Coy começou a ter ataques de ansiedade sempre que se referiam a si como um rapaz. Os pais procuraram ajuda médica para tentar perceber o que se passava. Coy foi diagnosticada com uma perturbação de identidade de género, uma doença que até ao ano passado fazia parte da lista de doenças mentais da Associação Americana de Psiquiatria.

Os Mathis alertaram o jardim-de-infância que Coy se identificava como uma menina e que deveria ser tratada como tal. A escola mostrou-se receptiva ao pedido. Os problemas começaram quando Coy entrou para o primeiro ano da escola primária. A escola defendeu que alguns pais e alunos se poderiam sentir desconfortáveis por ter uma criança transgénero a utilizar a casa de banho das meninas. Foi indicado a Coy que a partir de então só deveria utilizar o WC do pessoal escolar ou o que existia no gabinete da enfermeira da escola.

Os Mathis retiraram a filha da escola e apresentaram em Fevereiro último uma queixa no gabinete responsável pelos direitos civis no estado do Colorado, que considerou que, apesar de Coy estar registada como tendo sexo masculino, a documentação médica identificava-a como uma menina. Na decisão, assinada pelo director do gabinete, Steven Chavez, é defendido que pedir a Coy que “ignore a sua identidade quando realiza uma das funções humanas mais básicas constitui um tratamento severo e perturbador e cria um ambiente objectiva e subjectivamente hostil, intimidante ou ofensivo”.

A decisão foi considerada um passo histórico na defesa dos direitos dos transgéneros nos Estados Unidos. Michael D. Silverman, director-executivo do Transgender Legal Defense anda Education Fund, instituição que disponibiliza apoio jurídico e educativo a transgéneros e que apresentou a queixa em nome dos Mathis, afirmou na altura ao "New York Times" que esta “é a primeira decisão do país que defende que os estudantes transgénero devem ter permissão para utilizar as casas de banho que correspondem à identidade de género que têm”.

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